| Foto: Felipe Lima
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Ao longo do tempo, cientistas encontraram espécies desconhecidas e bizarras no interior das cavernas. São naturezas raras sobrevivendo em habitats escuros, úmidos e abafados. Estalactite e Estalagmite são duas delas. Estalactite é pra baixo, Estalagmite é pra cima. Foram feitos um para o outro. Tite e Mite estão resistindo ao novo coronavírus numa confortável caverna no Bigorrilho.

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Tite é pra baixo, vive de parcas rendas. Ou melhor, do que restou dos extintos pinheirais da família, outrora esparramados entre o Paraná e Santa Catarina. Quando veio para Curitiba fazer cursinho para o vestibular, já não sabia o que fazer da vida. E ainda não sabe.

Estalagmite é pra cima. Formada em Comunicação Social. Na prática, é produtora, promoter e cozinha pra fora, quando precisa. Hoje nem tanto, sua vida já foi uma festa. Com 15 aninhos conhecia Paulo Leminski. Num sábado em pleno verão, voltou da Ilha do Mel e desembarcou no Bar do Pasquale com um biquíni bem pequenininho. Tomou umas cervejas com os rapazes e ganhou uma frase do Polaco, escrita num guardanapo: “O rio é o mar, Curitiba, o bar”.

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Não há quarentena nesse mundo que não regenere uma relação já em pandarecos

Estalactite é pra baixo, Estalagmite é pra cima. Foram feitos um para o outro. Pra explicar a relação, Mite tem uma frase que recolheu na internet, porque para ela o que cai na rede é peixe: “Qual mulher nunca comeu uma caixa de Sonho de Valsa por ansiedade, uma folha de alface por vaidade e um cafajeste por saudade?” Tite também explica a complicada relação, mas com uma frase de porta de banheiro de beira de estrada: “Pior do que não ter o que vestir é não ter alguém pra te despir”.

Com a quarentena, o casal só tem praticado esportes brancos: fronha e lençol. E, quando sentem vontade de fazer exercícios, fazem como fazia a Neuzinha Brizola: deitam na cama até passar a vontade. “Tem uma planta que previne o coronavírus: planta a bunda no sofá!”, gosta de dizer Estalactite, enquanto revira a Netflix em busca de um filminho com alguma sacanagem.

Estalactite e Estalagmite, um pra baixo, outro pra cima. Foram feitos um para o outro, mas não há quarentena nesse mundo que não regenere uma relação já em pandarecos.

Curitiba há 40 dias sem chover revela o sadismo de São Pedro: “Só vai chover quando abrirem as porteiras da pandemia. Que bafor!” – reclama Estalagmite. “Bafor?”. “Bafor! O clima dessa caverna. Combinação de calor com o bafo de quem que virou a noite fumando e jogando pôquer pela internet”.

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“Hoje é sábado, sabia? O que vamos pedir no ifood?”
“Huuummm...”
“Que tal comida italiana?”
“Huuummm... não!”
“Uma churrascaria?”
“Huuummm... não!”
“Frutos do mar, pode ser?”
“Huuummm... não!”
“Comida chinesa?”
“Huummm... com vírus ou sem vírus?”
“Huuuuummm... sábado é dia de tomar uma caipirinha!”
“Tite, como você é complicado! Preciso fazer toda essa ginástica pra chegar justamente onde eu queria: uma feijoada!”

“Será? E se você mesmo fizesse uma comidinha em casa? Há quanto tempo a gente não come uma comidinha caseira? Não aguento mais pegar comida com o motoqueiro mascarado!”

“Criatura, não deu pra bola? Quer ver o que tenho pra fazer no home office, além da minha agenda de doméstica? Segunda, lavar as tuas meias e cuecas. Terça, limpar o teu chiqueirinho na sala de tevê. Quarta, trocar a roupa de cama e passar roupa. Quinta, organizar essa caverna. Ontem, dia de lavar a louça da semana, guardar os copos e botar fora todas essas garrafas empilhadas na varanda. Não vejo a hora do bar da esquina reabrir, só assim para você beber menos. Numa quarentena, teu lugar é numa adega.”

Curitiba há 40 dias sem chover revela o sadismo de São Pedro

“Querida, a crise da nossa relação pode ser hepática.”
“Exatamente, querido: incompatibilidade de fígados!”
“Como diria o meu amigo Otávio Duarte, cuida mais do meu coração e menos do meu fígado!”

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“Cansei! Estou cansada de viver nessa caverna como se isso fosse uma caserna! Só obedecendo as tuas ordens do dia. Você parece o Jair Bolsonaro no Palácio da Alvorada. Sem fazer coisíssima nenhuma, apenas ditando regras: não faz isso, não faz aquilo! Escuta isso, isso não se discute! Serve, não serve! Lava, passa, enxuga! Não me venha de borzeguins ao leito, meu bem!! Cansei.”

“Onde eu assino?”
“Assino o quê?”
“O fim da relação!”
“Tem vacina pra isso?”