O que dizer da intervenção federal no Rio de Janeiro? Melhor guardar os argumentos contra ou favor para o futuro. Serão mais úteis. “Agora Inês é morta” (com uma bala perdida), diria o Conselheiro Acácio – personagem de Eça de Queirós e precursor do óbvio ululante.
O que se pode dizer com certeza é que os soldados do Exército Brasileiro, “preparados para a guerra e treinados para matar”, voltam a ver “a cobra fumar” – expressão corrente entre os pracinhas brasileiros na Segunda Guerra Mundial, em resposta aos pessimistas que acreditavam ser mais fácil uma cobra fumar do que o Brasil entrar na guerra. No Rio de Janeiro, não é de hoje que os soldados do Exército sobem o morro para ver “a cobra fumar” um baseado, a moeda corrente no ofidiário carioca.
A Polícia do Exército do Brasil nasceu por decreto para compor a Força Expedicionária Brasileira em 1944. Em 1946, com o fim da guerra na Itália, o general Zenóbio da Costa percebeu a necessidade de formar a 1.ª Companhia de Polícia do Exército, no Rio de Janeiro. Utilizada na “garantia da lei e da ordem” dentro e fora dos quartéis, a força especial da PE foi recrutada nos estados do Paraná e Santa Catarina, dando origem à tradição dos lendários “Catarinas da PE”, por seu porte físico avantajado, treinamento diferenciado e extrema disciplina.
Em 1968, ano que acabou no AI-5, um garoto paranaense foi convocado para servir na temida 1.ª Companhia de Polícia do Exército do Rio de Janeiro. Nascido na colônia eslava dos Campos Gerais, com porte físico de um campeão de basquete, Polacowski – digamos que assim se chamava – chegou à Vila Militar como se estivesse desembarcando numa operação de guerra, justamente quando o Exército estava sendo acionado para realizar buscas e prisões nas favelas. Além da “esquerda festiva” de Ipanema, os generais queriam ver a “cobra fumando” com os traficantes da Rocinha.
Entre os favelados, os “catarinas da PE” realmente viram a “cobra fumar”, nos contou anos depois Polacowski – que, ao retornar ao Paraná, se tornou um dos mais estimados e atuantes fotógrafos de Curitiba.
De repressores, alguns elementos da PE passaram a ser também traficantes, pois em cada missão no morro voltavam com os bolsos forrados de maconha e cocaína. Com o passe livre para transitar a droga entre o morro, o quartel e os consumidores da Cidade Maravilhosa, faziam das buscas e apreensões uma boa fonte de renda para ajudar a sustentar a família aqui no Sul Maravilha.
Nas noites de folga, os “catarinas da PE” também “sentavam praça” no calçadão de Copacabana para atender a freguesia da Zona Sul. Certa vez, chamando atenção com o seu porte de Apolo, Polacowski foi abordado numa esquina pelo motorista de um elegante senhor, irreconhecível no banco traseiro de um reluzente Galaxie.
“O patrão gostaria de ter uma conversa pessoal com o senhor, seria possível?” Como o serviço especial da PE já atendia a domicílio, na manhã seguinte o Apolo de Copacabana acordou numa bela mansão, tendo como moldura um dos mais belos ajardinamentos do Brasil. Foi o início de uma bela amizade que deveria passar como uma chuva de verão. No entanto, sempre que possível os encontros de sábado à noite se repetiram, enquanto Polacowski serviu na temida PE.
Mais de dez anos depois, quando muitas lembranças já estavam esquecidas entre os segredos da caserna, o fotógrafo recebeu da chefia de redação do jornal a pauta de uma entrevista coletiva com uma das maiores celebridades culturais do Brasil. Ao entrar na recepção do hotel e se posicionar como de costume para as fotos, eis que o “Catarina da PE” volta no tempo e se defronta com aquele elegante e simpático senhor que o recebia com flores e champanha na mansão encravada no suvaco do Cristo Redentor.
“Parece que foi ontem!” – disse a celebridade, ao cumprimentar com discrição o fotógrafo de quase dois metros de altura.
O que dizer da intervenção federal no Rio de Janeiro? Parece que foi ontem.