O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, determinou a oitiva de Gilmar Mendes para avaliar se de fato há suspeição do colega de Corte no caso Beto Richa. O ex-governador do Paraná e candidato ao Senado pelo PSDB foi detido no âmbito da Operação Rádio Patrulha, em 11 de setembro, mas acabou sendo liberado da prisão por decisão de Gilmar Mendes, em 14 de setembro. O despacho do ministro rendeu polêmicas: ele já havia publicamente criticado a prisão do candidato, antes de receber o caso no seu gabinete; além disso, a defesa do tucano optou por pedir um Habeas Corpus diretamente a ele, driblando o sorteio que poderia colocar o assunto na mão de outro magistrado.
Em 18 de setembro, o Ministério Público do Estado do Paraná (MP-PR), à frente da investigação ligada à Operação Rádio Patrulha, entrou com uma Arguição de Suspeição (AS 95) no STF contra Gilmar Mendes. “A imparcialidade do julgador no processo penal é garantia inarredável do devido processo legal e norma fundante do Estado Democrático de Direito, assegurada em inúmeros tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário”, argumenta o MP. O caso será analisado pelo ministro Dias Toffoli, que, na sexta-feira (28), informou que “para melhor analisar as razões postas na AS, reputo pertinente a oitiva de Gilmar Mendes”.
Cronologia
Ao STF, o MP faz uma retrospectiva da semana que levou Beto Richa à prisão. No dia 12 de setembro, lembra o MP, Gilmar Mendes “criticou publicamente as prisões decretadas contra os investigados, em entrevista concedida a diversos jornalistas que estavam no STF”. Mendes disse que via “notório abuso de poder” por parte dos investigadores e que era preciso “colocar freios”. “Acho que é preciso haver moderação. Do contrário, daqui a pouco nós podemos inclusive tumultuar o pleito eleitoral. Sabemos lá que tipo de consórcio há entre um grupo de investigação e um dado candidato”, declarou o magistrado à imprensa, em Brasília.
No dia 14 de setembro, por volta das 11 horas, Beto Richa protocolou uma petição no STF, no bojo da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 444, na qual Gilmar Mendes é relator, na tentativa de obter o relaxamento da prisão temporária. No mesmo dia 14 de setembro, por volta de 19 horas, a 13ª Vara Criminal de Curitiba, a pedido do MP, transformou a prisão temporária [de cinco dias] em prisão preventiva [sem prazo para soltura].
“Surpreendentemente”, continua o MP, “ainda neste mesmo dia 14 de setembro, por volta de 20 horas, o ministro Gilmar Mendes concedeu, de ofício, Habeas Corpus a Beto Richa, determinando a revogação da prisão temporária do requerente e demais prisões provisórias que venham a ser concedidas com base nos mesmos fatos objeto de investigação”. Mendes ainda estendeu a concessão do HC de ofício aos outros investigados da Operação Rádio Patrulha.
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Para o MP, a entrevista concedida por Mendes aos jornalistas, e o HC concedido na sequência, representa “evidente quebra de imparcialidade”. “Juízos públicos e antecipados de mérito a respeito de um determinado processo que julgará” revelam “ausência de neutralidade”, anota o MP.
Polêmicas
E há outras polêmicas no caso. Ao invés de optar por entrar com um pedido de HC no STF, a defesa de Beto Richa, já ciente da posição crítica de Gilmar Mendes quanto à prisão de Beto Richa, resolveu protocolar uma petição na ADPF 444, cuja relatoria é do ministro. Ou seja, na prática, o pedido de liberdade acabou direcionado a Mendes. “O certo é que o recado dado de público [a entrevista de Mendes aos jornalistas] surtiu efeitos, pois, como se sabe, os advogados encontraram um caminho para chegar diretamente até Sua Excelência [Gilmar Mendes], que não titubeou em cumprir o que havia anunciado previamente”, escreve o MP.
Para a defesa de Beto Richa, a prisão temporária seria equivalente a uma condução coercitiva, medida que foi proibida pelo STF, no bojo da ADPF 444. Para o MP, o argumento dos advogados do tucano “deturpou a realidade e forçou uma competência indevida”: “Ora, não há a mais mínima indicação de que agentes do Gaeco [braço do MP] quisessem a mera condução coercitiva dos interessados”.
“O que se tem, portanto, é que a decisão foi tomada na entrevista coletiva e para ser jurisdicionalizada só faltava uma provocação num processo de sua competência prévia. A ADPF 444 foi o locus de aproveitamento para propor a discussão, dado que já estava sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes. Ali, então, de forma absolutamente anômala, driblando a distribuição normal de um Habeas Corpus entre os ministros da Corte, fez-se materializar a decisão por magistrado suspeito”, conclui o MP.
Ao final, no âmbito da AS 95, o MP pede a Toffoli que a suspeição de Mendes seja reconhecida e que a decisão dele – de soltar Beto Richa – seja anulada.
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