Quase certeza, tenho, de que encontrei o paraíso para recuperar minhas três costelas partidas. Decidi continuar a expedição, mesmo após o acidente de moto, há alguns dias. Porém, precisava de um intervalo para recuperação. Mudei o roteiro, o Norte da Tailândia exigiria mais esforço físico, deslocamentos de motocicleta e mudança de hospedagem a cada dois ou três dias. Teria um baixo aproveitamento na exploração da região montanhosa. Desci novamente ao Sul do país.
O paraíso é uma ilha muito tranquila e rústica, possivelmente uma das menos urbanizadas e exploradas da Tailândia. Não há lojas, hotéis de luxo, rodovias pavimentadas e tampouco carros. Por outro lado, existem macacos, muita mata nativa e uma comunidade local maravilhosa. Lagartixas gigantes, outros répteis e, eventualmente cobras, completam o cenário. É um habitat de pássaros raros e diferentes como o “hornbill”, de corpo preto e branco, penacho e proeminente bico amarelado. Lembra um tucano.
Lógico, a concepção do Nirvana varia conforme o perfil e a personalidade de cada pessoa. Há os que preferem vida simples e um estilo pé na areia e os que optam por mais conforto e sofisticação. Para mim está mais do que bom o bangalô de bambu, a rede na varanda, o banheiro com ducha manual de água fria e descarga de balde.
Ar condicionado (rs)? Não, não tem nem ventilador. A energia elétrica, de gerador a diesel, é fornecida por poucas horas, quando começa a escurecer. Claro que não há internet e a água vem de poços artesianos. Mas mesmo em março, o mês em que começa a esquentar para valer na Tailândia, a ilha fica razoavelmente fresca, à noite. Oferece brisa suave e cheira a sabonete de frutas ao entardecer.
Fiz um bom esforço para chegar, 35 horas de viagem. Um sacrifício, pelas minhas condições físicas, desde o extremo Norte do país até a costa Sul. Foram nove meios de transporte diferentes, a começar com um táxi compartilhado, chamado aqui de “sörngtäaou” (fala-se “sonteo’) e um trem, em segunda classe, sem cama.
Não conseguia cochilar, com todas as luzes do vagão acesas, o tempo todo. Por vezes o cotovelo do meu vizinho, um professor aposentado de 64 anos, cutucava minhas costelas sadias. Enquanto dormia agarrado à bolsa de corino marrom, o malaio pisava meu pé, incessantemente.
Saltei para o banco de trás e tentei bloquear a luz com os óculos escuros falsificados, sem muito sucesso. Tinha ainda que acomodar as escoriações do braço e dos joelhos, para que não tornassem a abrir. Minha mochila, agora bem magrinha, me acompanhava no compartimento superior. Viu-se livre de roupas, papéis, pequenos objetos, uma excelente jaqueta semi-impermeável e até de alguns medicamentos. Não podia seguir com muito peso, conforme recomendação médica.
Cedinho em Bangkok, peguei um trem urbano, uma linha de metrô, caminhei e embarquei em um ônibus de linha até uma das estações rodoviárias da capital. De lá foram mais 12 horas ensanduichado, dormindo à prestação, mais um táxi compartilhado e um barco lento.
Na ilha, os cajus maduros despencam dos galhos das árvores, o mar murmura em sua missão de cobrir e descobrir as rochas, a areia molhada é sedosa sob os pés e os caranguejos multicoloridos fogem desesperados ante a aproximação do viajante. A água do oceano é macia, quente e caudalosa. Salgada, torna-se fácil boiar. Não há muitos mosquitos e pernilongos.
Na primeira noite voltei dentro d´água para meu bangalô. Saí à tardinha, assisti ao maior sol da minha vida finalizar o dia mergulhando no mar, e retornei quase a nado, com a subida da maré. Claro, havia outro caminho pela mata que eu ainda não conhecia. Mas, quer algo mais fascinante do que chegar ao pouso com água até os ombros?
O toque de recolher no paraíso é às 22h, mas depois disso ainda dá para curtir a escuridão, na vegetação, ou apreciar no céu as estrelas. Não devo revelar o nome desse local sagrado. Não por egoísmo, com o maior prazer dividirei com amigos e pessoas queridas de destino à Tailândia. Porém, simplesmente tornar público uma ilha quase imaculada seria atentar contra a sua pureza. Por enquanto é ótimo recordar do mar que à noite resmungava à minha porta. Se o paraíso não for ali é logo dobrando a esquina, disso estou seguro.