Quando percebo o peso da mochila sobre os ombros, as costas quentes, o suor escorrendo por debaixo da camiseta e o ar cálido, sinto-me vivo. Feliz. O Vietnam foi fabuloso, mas era hora de partir, seguir explorando outras terras. O visto para 30 dias de permanência expirava justamente naquela data, em meados de Dezembro.
Nem sempre o rito do deslocamento ocorre como o anunciado nos guichês de venda de passagens de ônibus. Normalmente é diferente. Em Hoi An a atendente foi solícita e recomendou comprar bilhete de determinada empresa porque eu iria melhor acomodado no veículo, em função do meu tamanho. A viagem para Nha Trang era noturna e consumiria 12 horas. Acreditei.
Transitei socado no assento do “sleeping bus” sem lugar para enfiar as pernas. Os bancos reclinavam totalmente, até a posição de deitar por completo, mas dos joelhos para baixo o corpo ficava metido num espaço fechado e restrito. A mochila de ataque com dinheiro, documentos, computador e câmera fotográfica, ia acomodada sobre o corpo, por segurança.
Tive que desenvolver técnicas de acomodação para puxar alguns breves cochilos. Os assentos mais confortáveis, alardeados pela vendedora de passagens, viajaram cobertos por dezenas de mochilas.
Desta vez tive a opção e escolhi atravessar a fronteira de dia. Primeiro porque seria mais cômodo e segundo porque sempre é melhor trocar de país e iniciar a aclimatação quando ainda está claro. As regiões fronteiriças nem sempre são as áreas mais tranquilas e relaxantes, na maior parte do mundo.
Estávamos prontos para o Camboja. Desta vez seguia com meu novo amigo Patrick, um alemão de 33 anos que conheci na Ilha de Cat Ba e que reencontrei outras duas vezes ao longo do percurso pelo Vietnam.
Dentro do ônibus, o ajudante do motorista perguntou se já tínhamos visto, sugeriu alguma ajuda e disse que o carimbo custaria US$35. Pelo que sabíamos o procedimento era automático, na travessia da fronteira, e poderíamos obter facilmente o visto na hora.
Trinta dólares, estava escrito em um grande anúncio, em cima da guarita dos fiscais de fronteira. Trinta e dois dólares, exigiu o funcionário. Fingimos não entender e demos o dinheiro conforme o estipulado na placa. O guarda repetiu o preço, levemente superfaturado, e apontamos para o aviso. “Não, é um visto rápido, expresso, então é mais caro”, justificou.
“Como questionar mais, argumentar com o funcionário que iria conceder ou negar o visto de entrada ao país?” Pagamos os dois dólares a mais – possível propina oficial – e atravessamos. Mais tarde conheci outro alemão obrigado a pagar US$45, em ponto diferente da fronteira.
Bom, os países do sudeste asiático são seguros e acolhedores. No fim considero que é melhor ser sobretaxado em um ou dois dólares por um serviço do que ser assaltado com uma arma na cabeça, risco real em outros países por onde já viajei.
Perfeito, tudo certo, bastaria embarcar e seguir viagem até a capital, Phnom Penh. Mas, onde se encontrava o ônibus? O procedimento foi rápido e em todas as fronteiras que cruzei na expedição anterior, por 13 países das Américas, o veículo simplesmente aguardava todos os passageiros estarem prontos.
Não desta vez. Não na fronteira do Vietnam com o Camboja. O ônibus seguiu, provavelmente como havia dado a entender o ajudante do motorista, quando falou sobre almoço após a travessia da fronteira.
Seguimos a pé, estrada de pó adentro, passando em frente aos primeiros casinos cambojanos, visto ser o jogo liberado no país. A tarde estava quente. Algumas perguntas aos comerciantes da fronteira, mas nenhuma compreensão do idioma britânico. Por isso sempre a escolha de atravessar fronteiras à luz do dia, à noite teria sido arriscado e bem mais complicado.
Caminhamos, éramos os únicos estrangeiros a bordo, mas por sorte conversamos no ônibus com um local que viajava a negócios. Certamente informaria o motorista da nossa ausência.
Andamos por dois quilômetros até avistar o coletivo vermelho e o sorridente ajudante. “Por que não pegaram um moto-táxi?”, perguntou quando nos viu. Ahrrrggg, Patrick estava preocupado e nervoso. “Teria sido diferente se tivéssemos contratado o serviço de visto dele, por US$35?”. Provavelmente.
A primeira impressão do Camboja não foi boa, A capital parecia apenas escura e suja. E é. A falta de iluminação pública é um problema e caminhamos por becos e ruas na noite enegrecida, até encontrar um hostel para nos hospedarmos.
Mas Phnom Penh é muito mais do que isso e o país é maravilhoso, apaixonante. Siga comigo e vou contar mais, bem mais.
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