Estou na China. Exatamente após dois dias de viagem ou quase 50 horas de traslados, quatro voos e os primeiros perrengues. De casa embarquei para São Paulo, aguardei por horas, peguei um avião para Nova Iorque, fiz conexão até Seattle, esperei mais um tanto e voei outras 13 horas até Xangai, por sobre o Pacífico. A passagem, claro, saiu baratinha.
Com um inglês mastigado e máscara cobrindo o rosto, o rapaz me apontou a fileira de imigração e consegui um visto de trânsito, válido por 72 horas, na maior tranquilidade e quase nenhuma espera.
“Hopes and dreams. Determination”. Foram as primeiras palavras lidas, em inglês, na chegada ao importante centro financeiro mundial. Muito apropriado, é disso que falo ao me lançar a uma expedição ou entregar algumas mensagens em palestras.
O estresse e o aperto da partida me impediram de garantir uma acomodação na cidade mais populosa da China, com pelo menos 24 milhões de habitantes. Sabia da existência de um hotel no próprio aeroporto internacional de Pudon. Custava US$70, a opção mais em conta.
Melhor buscar na internet. O Google estava bloqueado num dos mais importantes hubs aeroviários do país, mas consegui acessar um site americano de reservas online e encontrei hospedagens bem econômicas. Todas restritas aos chineses, não aceitavam estrangeiros. Sim, a China tem muitas particularidades.
Outras opções registradas, preferi buscar informação local e confiável, antes de qualquer reserva. No centro destinado a apoiar estrangeiros a moça quis logo se livrar de mim. Boa caminhada, ainda nas dependências do aeroporto, e voltei sem informação ao hotel de “70 bucks”. Consegui que a recepcionista fizesse e me transferisse uma chamada telefônica. Do outro lado, apenas uma linguagem incompreensível.
Encontrei outro quiosque e fui direcionado ao portão onde circulam as vans para os hotéis. Nem sinal do transporte que eu deveria pegar. Fora do desembarque internacional, o inglês já começa a rarear. Um grupo de três jovens simpáticos e prestativos me ofereceu ajuda, acessou sites locais e eu registrei alguns contatos, mas nada frutífero. Achei um balcão de reservas de hospedagem, onde a mímica seria a principal opção. “Fala inglês?”. “A little” e assim pode esperar a comunicação será difícil.
O primeiro caixa automático, do banco oficial da China, recusou meu cartão de débito algumas vezes. O segundo também, sinal preocupante. Usei o cartão reserva, abastecido com menos dinheiro.
Fechei um hotel por US$35 a alguns quilômetros do aeroporto, com transporte incluído. Nada mal. Ou melhor, claro que nada bom o hotel, elevador imundo. Já viu até o elevador ser sujo? O “Eastern Star” tem cheiro de cigarro e toalhas rasgadas, bem ao estilo dessa expedição.
O colchão é firme; o chuveiro, quente; então o repouso parecia garantido, ainda que sobre minha cabeça circulassem, barulhentos, os aviões.
Três horas se passaram, desde o desembarque. Pálido, mas feliz, saio para comer. A noite é nublada, as ruas escuras e poucos carros circulam, buzinando forte. A comida típica chinesa é servida num lugar espantosamente limpo. Massa larga com legumes por incríveis dois dólares. Primeiro contato com a Ásia econômica e tradicional.
No primeiro banho em terras orientais, o sabonete líquido de saquinho não foi suficiente para o corpo todo, privilegiei as partes mais sofridas pela viagem. O shampoo desapareceu na vasta cabeleira.
Os aviões rasgavam o espaço e rugiam, furiosamente, madrugada adentro. O som explodia nos ouvidos do exausto viajante. Longe de dizer que foi uma noite aceitável, mas ganhei forças para seguir adiante.
Parto agora para Hong Kong, onde a jornada oficialmente terá início, por terra.
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