Não consigo enxergar uma viagem pelo sudeste asiático sem pilotar uma motocicleta, de qualquer tipo ou cilindrada. Arrisco dizer que é fundamental rodar em duas rodas para ter alguma profundidade na exploração e mais intensidade na experiência. Foi assim para conhecer o Sul de Laos em um circuito de 10 dias e 700 km pela área rural, próspera em cultivo de café, banana e mandioca. Farta em cascatas, rios e quedas d´água.
Há vacas, porcos, cães e cabras na pista; densa vegetação de selva ao redor; minorias indígenas, em vilas com acessos secundários; mulheres caminhando com cestos às costas. A colheita alternativa de frutas e as peças em palha e metal são vendidas à beira do caminho. Meninas varrem as portas das casas de madeira; crianças acenam da saída da escola; garotos com não muito mais do que oito anos de idade pilotam “scooters” pela rodovia principal.
A infância é livre. Caminha sozinha, pelada e descalça. Ou corre de bicicleta. Da porta do meu bangalô contemplo búfalos tomando banho de rio.
O Laos é um país que abriu suas fronteiras recentemente aos estrangeiros. A União Europeia restabeleceu relações comerciais com o país comunista há uma década, mas a nação continua entre as 20 mais pobres do planeta. O capital estrangeiro vinha ingressando, assim como os turistas internacionais, até 2008. Avançavam a construção de hidrelétricas e a exploração de cobre e ouro.
A crise hipotecária norte americana afetou o país, os recursos tomaram outros rumos, enquanto o preço do cobre despencava. Sobrou o oportunismo chinês para se estabelecer junto à melhoria da infraestrutura de transporte do país. Continua como grande produtor de energia, fornecendo eletricidade para os vizinhos Tailândia, Vietnam e China. A moeda do país é o kip na proporção de oito mil para um dólar.
O Laos é uma República Socialista de partido único, os comunistas chegaram ao poder em 1975, após o fim da monarquia e uma guerra civil. O governo proibiu a prática do budismo, o que foi revertido nos anos 90, com certas modificações.
Muitos homens experimentam a vida monástica temporariamente, por alguns anos. Os jovens não são considerados adultos antes de iniciarem sua etapa espiritual. E ainda segue sendo um tabu o ato de tocar na cabeça das pessoas, principalmente nas das crianças.
A população reduzida e a geografia montanhosa permitem que o Laos seja um dos países com o ambiente mais preservado da região, ainda que o corte e queima de madeira sejam ameaças atuais. Percebi isso rapidamente, ao rodear selvas abundantes, muito mais densas do que no já devastado Camboja (veja post sobre reserva de elefantes).
A pobreza, presente, é parte natural do cotidiano. Fui convidado a guardar minha motinho no que seria um depósito da pensão no vilarejo de Tad Lo, às margens do rio. Empurrei a bichinha para dentro e descobri que o espaço era a cozinha. Quanto a isso, nenhuma surpresa, apesar do ambiente degradado e sujo.
O impacto mesmo foi ver um porquinho preto se fartando de restos de comida, com meio corpo dentro da panela, largada no chão. Outro, maior, circulava à procura de sobras. Logo acima, esquecida sobre um balcão, descansava a bandeja com cenoura cortada e alfaces. Possível salada de algum cliente.
Aproveitei a força das cachoeiras de Tad Lao e fiz uma limpeza minuciosa em todas minhas roupas, objetos e equipamentos. Segurei as mochilas e o saco de dormir debaixo da correnteza para afogar ainda algum possível percevejo. Sofri de três ataques severos, espaçados, ao longo desta expedição.
Esse trajeto foi verdadeiro “easy rider”, seguir sem programação ou agenda definida. Descobrir e desvendar, livre de compromisso. Visitar comunidades onde as mulheres fumam grossos cigarros enrolados em folhas de bananeira e garças partem em revoada no meio das árvores. Parando a fim de interagir e saindo com um mamão enorme de presente.
No caminho, vi um menino sem olhos. Ele nasceu assim, tadinho. Eu estava registrando o entardecer quando a mulher me chamou para tirar fotografia. Apontou para a outra, com a criança no colo. Fiz a foto e só depois vi o rosto. Triste. Não terá como enxergar as belezas de Laos.
STF e governistas intensificam ataques para desgastar Tarcísio como rival de Lula em 2026
Governo e estatais patrocinam evento que ataca agronegócio como “modelo da morte”
Pacote fiscal pífio leva Copom a adotar o torniquete monetário
Por que o grupo de advogados de esquerda Prerrogativas fez festa para adular Janja