O despertar da comunidade na ilha de Ko Phdao, às 5h30, parecia uma batalha épica: motores, berros, pisadas fortes no estrado de madeira, risadas e choros. Parti após ducha de balde, noodles morno com peixe frito e café cambojano.
O dia prometia, mais do que eu poderia imaginar. À porta da casa me esperava o guia local para me conduzir pelas tramas da ilha, iria me acompanhar montado numa scooter. O trajeto da segunda pedalada rasgou Ko Phdao ao meio, por 45 km. Desta vez com terreno pesado, areião, e vários trechos de difícil transposição, até para o nativo motorizado.
Na metade do caminho desconectei o freio traseiro da bicicleta que enroscava no pneu. Apesar de ter escolhido a melhor mountain bike que encontrei, estava longe de ser o equipamento mais adequado para aquelas condições e terreno.
Às nove da manhã o sol já castigava forte, a mim e à paisagem ressequida. Com apenas uma e meia garrafinha, tive que racionar água no percurso. Com a boca em estado desértico, só consegui engolir os ovos cozidos que carregava para o almoço. O tijolo de arroz, embrulhado em folha de bananeira, doei para a família do guia. Nunca desejei tanto uma jarra de suco de laranja natural, produto raro e caro aqui no Camboja.
O rio apareceu apenas ao final deste trecho e, com ele, o mergulho, o relaxamento e as cãibras. Sedento, cansado e enfraquecido, me despedi do guia, atravessei o rio novamente, deixei a comunidade e atingi uma vila paupérrima quando já entrava à tarde. Fora da comunidade assistida, as condições pioraram bastante.
A cambojana queria 10 dólares para me abrigar na casa e outros três para jantar. Bem caro para um lugar desprovido de saneamento básico e de qualquer noção de higiene e limpeza, sem água na casinha do banheiro, instalada junto ao chiqueiro, e espaço para dormir restrito ao piso duro de tábuas. Uma fornalha, levitando sobre o lixo e a terra suja.
Isolado num trecho da estrada de chão e exausto, negociei. A moça dizia quatro dólares e escrevia 10 no caderno rasurado. Após não sei qual raciocínio, ofereceu a casa por cinco dólares, sem comida. Aceitei e estiquei as pernas, quase travadas pelo esforço da jornada.
Fui me restabelecendo aos poucos, ingerindo líquido e me refrescando no Mekong, provavelmente poluído pela comunidade ribeirinha. Era hora de encontrar comida, mas o cheiro de podridão, alternado com o da choça dos porcos, inibia o apetite. Num casebre-mercadinho, consegui latas pequenas de sardinhas e leite em caixinha. Garanti o jantar e o café da manhã seguinte.
Esse é um ambiente muito mais difícil do que qualquer acampamento em áreas hostis ou expedição na selva, porque ao contrário de um cenário natural, há sujeira por toda parte, dejetos acumulados e risco de contaminação.
Apaguei.
Dia seguinte, repeti a refeição anterior e peguei a estrada de terra sob o sol inclemente. Mal durei três quilômetros e precisei parar, estava fraco e enjoado. Invadi um pedaço de sombra de uma meia casinha abandonada e me estendi para relaxar.
Esticado nos destroços do que um dia fora uma construção de madeira, comecei a passar muito mal. Achei que não poderia mais prosseguir, no entanto não havia ninguém para me ajudar. Vomitei o pouco alimento que havia no meu organismo. Não tinha conferido a data de validade na lata de sardinha, seria isso? Ou, muito provavelmente, insolação.
Recobrei o ânimo e, para reduzir o peso, decidi esvaziar a mochila. Abandonei ali mesmo todas as roupas, era uma questão de sobrevivência. Mantive apenas o essencial na mochila: kit de conserto da bike; câmera fotográfica; água; protetor solar; dinheiro e documentos, basicamente.
Venci a pista de terra e cai na estrada asfaltada. O trecho mais insano apenas começara. O sol pegava a cabeça, surrava as costas, chicoteava as pernas. As escassas sombras eu aproveitava ao máximo, fazendo paradas a cada meia hora, em média. Fervia a pista à sensação térmica superior aos 40 C.
Foram vencidos 65 km nessas condições. Ao entardecer me aproximava do ponto de chegada. Por azar, ou escuridão, parei um pouco antes, na entrada do povoado. Encontrei uma boa pensão, mas nenhum lugar razoavelmente decente para me alimentar.
Após dois dias apenas beliscando, sem que nada tivesse parado no estômago, estava bloqueado para comer em condições precárias. Havia um karaokê que, no Camboja, tem característica de casa noturna e oferta de acompanhantes. Devagarzinho ia descendo uma sopa de noodles, até a chegada do gerente do estabelecimento.
Com algum nível de inglês, muita gentileza e avidez para os negócios, atrapalhava minha tentativa de refeição, fazendo perguntas sucessivas e indicando belas meninas cambojanas, com idades que estimei entre 14 e 20 anos.
Já na hospedaria, descansei por 12 horas. Encarei um peixe frito no mercado caótico e procurei uma van para regressar com a bicicleta. No retorno, cochilei um pouco. Sonhava com bifes suculentos e queijo.
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