Não tenho certeza se o nome de Ma Mai se escreve com esta grafia. Ela tampouco soube me dizer. Aos 22 anos, casada e com dois filhos, nunca frequentou escola. Não sabe ler ou escrever. Esperta, aprendeu inglês melhor do que muitos habitantes da capital, Hanói. Ajuda a família com a venda de artesanato em uma cidade pequena, em meio às montanhas do Norte do Vietnam. Foi ali que nos encontramos e combinamos a minha estada, por dois dias, na casa dela, na área rural, junto à vila de Lao Tsai.
Ma Mai usa os cabelos constantemente presos, desde que casou, aos 15 anos. Homens casam aos 18. É o costume da etnia Hmong, grupo étnico originário da China e assentado também em regiões montanhosas de alguns países do sudeste asiático.
O trajeto de 10 km, a pé, até a vila, foi marcado por extensas plantações de arroz, búfalos e rios. A etnia vive da agricultura de subsistência e de pequenos animais, basicamente galinhas. Para ocasiões especiais, como o Ano Novo, preparam porcos gigantes e fabricam incensos especiais.
A comunidade é pobre, a casa de Ma Mai é muito simples. A construção inteira exibe frestas e o chão é de barro. Sob o mesmo teto precário ela disse que vivem oito pessoas, mas cada vez havia mais gente lá dentro. À noite contei 11 crianças. Após muito arroz e legumes, reparti chocolate com todos. O filho mais novo de Ma Mai gostou de mim e vivia me perseguindo. O menor, só de camisetinha, faz xixi ao lado da minha cama. Aviso a “recepção” (rsss) e a criança é retirada. O xixi permanece.
Caminhei muito pelos arredores, deslumbrado com os lugares mais altos do país. Tive a sorte de presenciar uma autêntica cerimônia Hmong, rito em homenagem aos mortos. Patas imensas e pretas de porcos descansavam sobre folhas de bananeira. Os homens jogavam grãos de arroz por cima e bebiam muito de pequenas copas. A maioria estava bastante excitada ou emocionada, alguns chorosos. Outros caíam de bêbados.
O cachorro de pelo claro circulava a mesa antes do jantar, seguido pelo gatinho preto. A panela de arroz fervente foi colocada ao solo. Seria a mesma que a madrasta de Ma Mai lavava no córrego imundo, ao lado da casa? Sim, não há saneamento básico e as condições de higiene são precárias. O córrego é de água escura e retém lixo.
Alguns turistas e outros viajantes também se hospedam na vila, mas em situação bem diferente, em casas preparadas para recebê-los, com mesas, cadeiras, camas e até sofás. Nesses casos há alguma comodidade, higiene básica e estrutura para alimentação. Esta minha experiência foi distinta pelo fato de ter sido abrigado e me adaptado ao cotidiano e à realidade de uma família Hmong muito simples, autêntica, de minguada existência. Ao longo das minhas aventuras já fiquei em barracos, acampei na selva e me hospedei em todo tipo de lugar, inclusive casas abandonadas, mas esta foi uma experiência única.
Contei 14 pessoas ao redor da TV, após a comida. Ninguém manifestava qualquer movimento para banho e Ma Mai não demostrou interesse ao ser perguntada onde eu poderia escovar os dentes. Alguns meninos apenas olharam com curiosidade. Um dos principais dentes da boca de Ma Mai é de ouro.
A lua era crescente e o céu, estrelado. Tudo era muito simples, mas eu estava feliz. Acomodei-me cedo, mas só consegui dormir depois que ajustei a jaqueta impermeável de forma a proteger melhor os ossos do quadril. Já era madrugada quando relaxei na minha cama de tábuas. A manta, originalmente curta, foi encolhendo ao longo da noite. A friagem acudia das imperfeições da madeira e golpeava as canelas. De manhã, chegava aos joelhos.
A casa despertou tremendamente cedo, com forte movimento, antes das cinco da madrugada. Barulho de água sugeria banho. “Onde seria?”, perguntei à Ma Mai quando levantei. Ela jogou uma quantidade de água quente na bacia e o restante, frio, veio de uma caixa de alvenaria, instalada ao final da cozinha. Atirou um trapo lá dentro e sugeriu que me lavasse, ao lado do fogão. Naturalmente não havia fogão, mas sim um espaço para panelas sobre o fogo à lenha, no chão.
Recusei o arroz do café da manhã e optei apenas pelos ovos. Saímos para seis horas de caminhada, atravessando outras vilas e visitando outra etnia. Mais arroz, desta vez com aquele macarrão bem fininho e, para beber, água quente. O retorno à cidade foi caminhada puxada e rápida de sete quilômetros. Mais da metade com aclive forte, montanha acima, sem terreno plano.
Regressei. O xixi da criança havia secado ao lado da minha cama. Até agora não descobri onde era o banheiro.