Pelas montanhas do Vietnam seguia de motocicleta o viajante, com um estranho à garupa. Acabara de conhecer o húngaro, vegano, de fala mansa. Sandor é pintor. Artista, não pintor de parede, e mora na Tailândia há 23 anos.
A moto é uma scooter, como as “vespinhas” que conhecemos aí no Brasil. O encontro se dera alguns minutos antes, quando estava de partida para povoados distantes. Sandor tinha se instalado no mesmo dormitório do albergue vietnamita e perguntava sobre a região. Pediu carona para as cascatas e logo estávamos conversando, entre uma curva e outra.
Pilotar uma moto nas estradas do Vietnam é por vezes arriscado, porém, de maneira geral o tráfico se organiza em meio ao caos. Na sinuosa estrada de Sapa a Sin Hô a velocidade padrão é lenta, entre 40 km e 60 km. Excelente para admirar as montanhas, as cachoeiras, os rios, as plantações de arroz e os pequeníssimos povoados agrícolas. Aqui, o espantalho em meio ao milharal usa chapéu em forma de cone, típico do país.
As jornada segue em looping com curvas de 180 graus. O máximo que atingi com a motinho foi 80 km, fora das curvas sequenciais. O perigo fica por conta dos caminhões, desinibidos, a ocupar as duas faixas da pista; de outras motonetas que surgem em qualquer encruzilhada ou despontam do nada para entrar na estrada. Outra opção de risco é ser atravessado por algo acoplado à motocicletas que trafegam na direção oposta. Pode ser um pedaço de cano, uma carga de madeira ou mesmo imensos latões ou móveis. Tudo é transportado em cima das magrelas motorizadas.
Fiz minha barbeiragem ao cruzar a pista para estacionar no acostamento oposto e quase desequilibrei um sujeito, na outra mão. Um porquinho preto e peludo deu o troco e chispou na minha frente. Delicado também quando os búfalos – tratados como vacas e com grandes sinos no pescoço – decidem bloquear o trânsito. Mas, no Vietnam é assim. Felizmente o dia estava claro, o céu azul e a estrada, seca.
Chego a Lai Chau para ficar ainda mais surpreso. A cidade abriga a sede administrativa do governo e é espetacularmente estruturada com avenidas largas, lindos lagos artificiais e amplas calçadas. Só não há gente pelas ruas, ao menos não num sábado à tarde. Bizarro. A capital, Hanói, com bem menos espaço, é fervilhante, não cabe mais ninguém no espaço urbano.
A partir daqui mais difícil se comunicar. Apenas dizem “no, no, no…”. Ou então, sorridentes, “hello, hello…”. Entrei no único local que me pareceu servir comida e o garoto dentuço disse que só havia porco. Sem problema, respondi. A conversa se dá por texto no celular. “Está aprendendo inglês e só sabe ler e escrever, com pouca compreensão oral”, pensei. Fui descobrir depois que usava um aplicativo para tradução, digitava em vietnamita e me mostrava as frases em inglês.
“Quanto custa a refeição que não sei bem qual será?”, perguntei, não literalmente dessa maneira. “Free”, respondeu o menino, magro e de óculos. Sim, apesar de ser um restaurante, só a família estava comendo àquela hora e me trouxeram grande tigela com sopa de arroz e pedações de porco. Comi três cumbucas cheias e saí agradecido, sem nada desembolsar. Povo hospitaleiro.
Curvas e rios depois, pergunto na estrada sobre Sim Hô. As pessoas fazem questão de responder e dar indicações. Mas no idioma deles. Num posto de gasolina o rapaz falou e falou em vietnamita. Só me serviu o gesto para seguir em frente e logo entrar à esquerda. Adiante filha e mãe me guiaram até à cidade.
À noite circulo pelas ruas escuras, povoado sem turistas ou atrativos, além dos mercados típicos de domingo. Encontro um bazar local e logo viro a atração, todos se divertem com a diferença de altura e querem registrar em fotos. Não só me liberaram a entrada para a feira, sem custo, como fizeram questão que eu participasse do evento. Um senhor, eufórico, agarrou uma anã e trouxe para perto de mim, como comparação. Lembrei-me do triste drama “O Homem Elefante”.
Participo do mercado de domingo no povoado. Vou relatar as curiosidades e mostrar incríveis imagens no último post desta trilogia. A porta do quarto do hotel tem impressionantes 3,5 metros de altura. A cama, dura como pau, recorda a casa de Ma Mai, em Lao Tsai.