Muh-Chieh Yu ia a Hong Kong a trabalho quando, no avião, me viu estudando o pesado guia sobre a China. Com inglês um pouco rústico, mas extremamente afável, puxou conversa, comentou sobre Hong Kong e transmitiu sua percepção sobre o sudeste asiático. Tinha visitado Myanmar e a Tailândia.
Antes do nosso desembarque me cedeu dois cartões para uso principalmente no transporte público, mas também útil em lojas de conveniência, supermercados e redes de “fast food”.
Não satisfeito, Muh-Chieh entregou algumas notas de dólares de Hong Kong. Isso mesmo, me deu dinheiro. Ao todo, entre crédito nos cartões e moeda em espécie, o equivalente a US$40 ou R$80. Incrível, não? Algum desconhecido, alguma vez, já te deu dinheiro? Assim, do nada?
Sim, isso pode acontecer em Hong Kong, terra de gente prestativa, simpática, educada e honesta. Digna, eu diria. Não, não falo assim porque ganhei algum dinheiro que me ajudou já na saída, para pegar o trem, e reduziu o meu custo diário na cidade. Mas, sim, porque atitudes benevolentes podem acontecer a qualquer momento em Hong Kong. Talvez até à meia noite, na rua ou em alguma estação de metrô. A região é muitíssimo segura e relaxante, ainda mais para nós, brasileiros.
Está vendo a carteira aí da foto abaixo? Ficou no chão, por um bom tempo, sem ser tocada, no meio da multidão. Foi olhada, observada, admirada, mas nunca apanhada e nem pisada. Fiquei acompanhando o seu destino e, quando me afastei um pouco, um senhor gritou para me chamar, achando serem meus os documentos.
Como comparação, uma vez derrubei o celular no centro de Curitiba e, assim que me dei conta, em poucos instantes me virei e voltei para buscar, mas nada mais vi. Aqui, algum tempo passou até uma família chinesa juntar a carteira e seguir adiante.
Visitava o Tang Hall, num caminho ancestral, ao ser abordado por Eric, um jovem muito bem vestido que começou a fazer perguntas sobre minha presença ali e de como conheci o lugar. A princípio parecia ser um guia, oferecendo serviços, algo bastante normal em vários países que visitei. Comentários, conversa, novas perguntas. Seria uma pesquisa? Respondi e inquiri sobre o trabalho dele, se estava ligado a turismo, mas não. Preparado para armadilhas do sudeste asiático e experimentado com a expedição de quase um ano pelas Américas, sempre desconfio.
Qual nada, era apenas um jovem gentil, gerente de indústria automotiva transferido para iniciar trabalho nos arredores. Descreveu alguns simbolismos da China, queria dar dicas da cidade e sugeriu que eu telefonasse, caso precisasse de algo.
Assim é em Hong Kong, se arranham o inglês, as pessoas sempre ajudam. Na rua, muitas vezes desviam do próprio caminho para colocar o viajante no rumo certo.
Talvez tenha sido a influência da centenária dominação Britânica, ou então o forte desenvolvimento. Acredito que a qualidade de vida contribui para a gentileza. E há muito bem estar por aqui. Em um bairro distante, não turístico, duas operárias enchiam quatro sacolas plásticas com chás, sucos e diversas bebidas industrializadas, provavelmente para colegas de trabalho da obra. Não perguntei a respeito. Sei que elas tampouco conseguiriam responder. É muito bacana essa condição de vida, existe distribuição de renda, a população em geral tem poder aquisitivo.
Em Hong Kong as pessoas interagem com respeito e sem interesses ocultos, dá muita vontade de aprofundar as conversas, solidificar relacionamentos. Ao partir também vou fazer a minha parte e entregar para outros viajantes os cartões de transporte. Inclusive com algum crédito.