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Crônica do viajante

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A 70 metros de profundidade, dentro de uma estreita, escura e profunda mina de ouro e prata, o ar é mais fresco. Não há agonia, sensação de claustrofobia, tensão, medo ou desespero. Relaxada e interessadamente, o explorador admira as aberturas, túneis e galerias, descobertos à medida que penetra o interior da caverna.

Sente-se bem. Os sonhos recorrentes de morte por soterramento não passam agora de distante lembrança. Pesadelos que com frequência assaltavam a infância de sete ou oito anos de idade. Quase não recorda mais.

Conta-se que as minas são conectadas e que um dos caminhos subterrâneos conduz ao centro do histórico povoado. O menino-viajante vibra. Ama as descobertas. Excitava-se com a perspectiva de encontrar passagens secretas na casa dos avós paternos.

Percorrer o povoado fantasma é descobrir extensos jardins ressequidos e trombar com longas fileiras de plantas do deserto brotando saudáveis sobre o solo árido. Ao caminhar quilômetros sem água ou sombreiro, sob o sol inclemente do deserto, a alma do viajante se percebe livre.

Pelo trajeto solitário, a velha caminhonete azul, com para-choque amarrado, transporta lote de filhotes de carneiro. As ruas, fora da pequena área central, perderam o calçamento e estão normalmente desertas.

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Os cactos tomam sol em cima do telhado abandonado. O céu é quase sempre azul.

Há placas de venda nas propriedades. Há ruas sem placas. Os portões são fortemente trancados. Há ruínas por toda a cidade. Ou melhor, o povoado são as ruínas, desde que foi abandonado, há 100 anos.

Mineral de Poços, no planalto central do México, um dia resolveu se mudar. O lugarejo foi povoado respeitável na época da mineração. Reunia 70 mil habitantes em busca de cobre, ouro, prata, enxofre e outas preciosidades. Uma espécie de corrida do ouro mexicana.

Hoje, a cidade resiste em voltar para casa.

Começou a ser abandonada com a Revolução Mexicana, dos zapatistas, em 1910. Da estrutura da escola técnica, que ensinava homens a terem um ofício e mulheres a cuidarem do lar, restaram apenas grandes vãos e grossas paredes.

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Nos anos 20, do século passado, as inundações provocaram nova corrente, para fora da cidade. A exploração dos metais preciosos era afogada, com o sepultamento das minas. Os sobreviventes, uma vez mais, esvaziaram a cidade. Por décadas, Poços teve apenas a companhia do deserto.

A evasão não arranhou o charme do lugar, pelo contrário, encantou mais o viajante que caminha pelo chão pedregoso. Espírito sempre aventureiro.

Agora as lembranças de criança remetem à infância dos filmes de caubói e das relíquias do velho oeste. Relíquias, não brinquedos, guardados pelo avô e mantidos como bens de família. Chapéu, sela, bolsa e artesanato genuinamente Cherokee.

Sim, o avô percorria o western americano na época de índios e ursos. Faleceu sem que o conhecesse, mas transmitiu a herança, a genética, o sangue e a saga ao andarilho.

A cidade mantém o perfil e a mística dos Chichimecas e investe hoje na fabricação de instrumentos musicais indígenas e do artesanato de inspiração pré-hispânica. Quer apostar no turismo.

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Agora, conta o morador, a cidade será “povo mágico”, vai ganhar dinheiro do governo e receber investimentos dos capitalistas. Prevê um grande hotel na região, cafés, um hipódromo e, quem sabe, um campo de golfe para os americanos.

O explorador se entristece, não é o que gostaria de presenciar. Sonha com a época em que a caça não precisava ser proibida porque a carne era farta. O tempo em que os ritos e as tradições indígenas, verdadeiramente mágicos, eram costume corrente, em meio à natureza.

Mochila às costas, o jornalista nômade segue o seu caminho. Suas roupas estão puídas, suas meias estão rasgadas. A bota, velha companheira, já há dias faleceu. Mas o coração do caminhante segue em paz. Sua alma está extremamente feliz.