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Aconteceu na semana passada a sétima edição do Hacktown 2023, o principal festival independente de inovação, criatividade e tecnologia na América Latina. Sediado em Santa Rita do Sapucaí, em Minas Gerais, o evento ocorreu ao longo de quatro dias (de 17 a 20 de agosto) e reuniu mais de 30 mil pessoas. Na programação, desde assuntos em alta, como o impacto da inteligência artificial, a adoção da agenda ESG e tópicos de empreendedorismo, até temas menos óbvios em eventos do tipo, como educação, arte, cultura e felicidade.
Além do conteúdo em si, o Hacktown é especialmente interessante por alguns motivos. Primeiro, porque é um festival 100% brasileiro que acontece fora do eixo Rio-São Paulo; segundo, porque se espalha por múltiplos locais simultaneamente, de forma descentralizada (tem palestra em restaurante, em ginásio, em escola e até em antiquário). Terceiro, porque estimula o contato direto dos participantes com o dia a dia de uma cidadezinha pacata com cerca de 40 mil habitantes.
Mas não se deixe enganar pelo tamanho. Santa Rita do Sapucaí é considerada um berço da inovação no estado e tem ligação com a tecnologia desde a década de 1960. Há um parque tecnológico que reúne mais de 150 empresas e fomenta o ambiente de geração de negócios. O Inatel - Instituto Nacional de Telecomunicações, centro de ensino, pesquisa e desenvolvimento de inovação, funciona na cidade e é um exemplo de como o local se tornou propício para pensar futuros.
Ideias de futuros
O Hackatown 2023 produziu mais de 600 palestras e 100 painéis em 10 palcos. Conforme a proposta do festival, vi um pouco de muita coisa e compartilho, abaixo, algumas das mensagens que registrei, tanto acompanhando os conteúdos, quanto conversando com as pessoas. Afinal, as conexões são o ponto alto do evento.
Valorize o capital humano
A palestra de Gustavo Brito, sócio e diretor global na IHN Stefanini, mostrou a necessidade de olhar para além da tecnologia no processo de transformação digital. Segundo ele, a chamada indústria 5.0 é caracterizada por três esferas que não têm a ver com a automatização de processos, característica marcante da indústria 4.0. São elas: o cuidado com a sustentabilidade (seguindo as boas práticas ambientais); a resiliência para formar empresas capazes de responder rapidamente a movimentos de mercado; e a capacidade de colocar as pessoas no centro do negócio, de forma que elas sejam mais valorizadas no pensar a inovação e possam tirar o melhor proveito do potencial da tecnologia. É uma nova forma de enxergar a gestão da organização, mais humanizada e menos burocrática.
Crie espaços de inovação
Um exemplo prático disso são os programas de intraempreendedorismo, quando há incentivo para empreender dentro das empresas. A Garagem Unilever, por exemplo, é um hub dedicado a disseminar a inovação por toda a empresa e incentivar os colaboradores a pensar no futuro e dar ideias de produtos ou serviços. Desse exercício saiu uma inovação focada em corpos diversos: trata-se de uma cadeira de praia com tamanho maior do que o convencional, com o objetivo de promover acessibilidade e inclusão. A ideia, que contorna a limitação da infraestrutura nas praias, rendeu uma premiação no Festival de Cannes, principal festival de criatividade no mundo.
Não force a adoção de tecnologia
A importância de ouvir as pessoas foi corroborada em outra palestra, esta dedicada aos rumos da indústria da realidade estendida (mistura de realidade aumentada e virtual), que tem nos óculos Apple Vision Pro seu principal garoto-propaganda. Segundo Aline Pina, líder de desenvolvimento de projetos de realidade estendida, tais dispositivos são valiosos para exponencializar as capacidades humanas, mas é preciso frear o interesse mercadológico e deixar que as pessoas escolham quando e como querem utilizá-los. "Falta mais entendimento humano", diz ela sobre a pressão da indústria para massificar um mercado que é incipiente e ainda tenta se provar, haja vista a tentativa mal-sucedida da Meta (ao menos até agora) de emplacar o metaverso.
Cuidado com o consumo de conteúdo na era do ChatGPT
O impacto da tecnologia na comunicação também ganhou espaço no Hacktown 2023. Uma conversa entre jornalistas evidenciou o risco de evoluirmos para o consumo majoritário de informações vindas diretamente de chatbots, como o ChatGPT e o Bard, em vez da tradicional curadoria de links fornecidos por meio dos resultados do Google. Como alertou Rafael Coimbra, editor-executivo de Conteúdos Digitais da MIT Technology Review, esse cenário poderia representar uma perda de referência do mundo real e o enviesamento da leitura do que acontece ao nosso redor.
Prepare-se para um país mais velho
Um outro recado de futuro dado no Hacktown 2023 tem a ver com a chamada economia da longevidade, que abrange todas as atividades de consumo de pessoas com mais de 50 anos. No Brasil, este mercado já movimenta R$ 2 trilhões por ano e deve crescer a passos largos considerando o envelhecimento da sociedade. A estimativa é que a população acima de 60 anos dobre nas próximas duas décadas. Para Mórris Litvak, fundador e CEO da Maturi, as empresas ainda não captaram a mensagem de se preparar para este futuro, que vai impactar o mercado de consumo e também a composição etária do ambiente de trabalho, que deverá ser ainda mais multigeracional do que hoje. "Daqui a 10 anos, vamos acordar e ver que o Brasil envelheceu e que não estaremos preparados", previu.