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Em 1975, Bill Gates e Paul Allen fundaram a Microsoft e colocaram uma ideia na cabeça: levar o computador a cada mesa , em cada casa, no mundo todo. Logo essa ideia se tornou a primeira missão da companhia na era do Windows. Quase 50 anos depois, dá para considerar que a meta foi praticamente atingida, ao menos nos países ditos desenvolvidos. Já em 2015, sob o comando de Satya Nadella, o plano da big tech mudou, e seu propósito passou a ser o seguinte: "empoderar cada pessoa e cada empresa a atingir mais". Percebe o que os dois discursos têm em comum? Ambos não promovem a empresa e seus objetivos individuais, e sim a busca por um marco universal e representativo.
Segundo a futurista Jaqueline Weigel, este é um dos ingredientes de empresas comprometidas com visão de longo prazo. "Não basta dizer que quer ser referência no mercado, é preciso prever qual impacto a organização vai gerar na sociedade, para onde a empresa vai", opina. O também futurista Carlos Piazza concorda: "as empresas olham muito para dentro e pouco para fora". Ele acrescenta que faltam curiosidade, visão transgressora e uma boa dose de ficção para imaginar futuros. "É impressionante o excesso de certezas que as empresas têm sobre o caminho a ser adotado", completa.
Ambos os futuristas concordam que inovar para o longo prazo é uma dificuldade comum no ambiente empresarial. As estatísticas mostram o desafio que é estabelecer as bases de um negócio e prosperar rumo a uma trajetória longeva. No Brasil, menos de 40% das empresas conseguem sobreviver após cinco anos de atividades e quase 80% delas não duram dez anos. Os motivos para isso são vários, inclusive de ordem macroeconômica, mas há estudos que relacionam a longevidade de uma companhia a sua capacidade de inovar.
Os porquês do curto-prazismo
Jaqueline avalia que "nunca fomos treinados para pensar o futuro e nem para nos responsabilizar por ele". Ela conta que as pessoas decisoras nas empresas ainda encaram o tema com o pensamento linear e tangível e, normalmente, se frustram com a demora dos resultados. "As empresas querem inovar com os mesmos processos e as mesmas garantias do presente, mas não dá para ter resultado sem assumir riscos calculados", analisa. Nesse cenário, diz ela, a exploração de futuros é questionada após dois ou três anos de trabalho, sendo que o prazo mínimo deveria ser de 10 anos. "É uma pena porque a inovação é o nosso motor de construção de futuros", lamenta.
Piazza alerta para o fato de o trabalho ainda ser baseado no modelo "fordista", do século passado, que se caracteriza pelo sistema de produção em massa de olho no resultado de curto prazo e rápidas entregas em mercados de consumo excessivo. Ele critica a preocupação exagerada da alta liderança com o retorno para os investidores em detrimento das outras partes interessadas no negócio, como os clientes e a sociedade. "Os decisores ficam olhando o ROI (sigla para retorno sobre investimento) o tempo todo, e a empresa é avaliada por trimestre, um futuro a cada três meses. Eu brinco e falo: tire a cara do ROI e vá olhar o que está acontecendo no mundo".
O pouco espaço para a experimentação compromete não apenas o planejamento estratégico, mas, também o entendimento do público-alvo, considerado o principal ativo de qualquer negócio. Segundo Jaqueline, as empresas têm dificuldade de imaginar quem será o cliente daqui a 10 anos, um exercício fundamental em tempos de mudanças tão rápidas e profundas promovidas pela inteligência artificial. Além de tentar antecipar movimentos, Piazza recomenda que a estrada até o futuro considere mais de um cenário, com possibilidades que permitam recorrer a "rotas de saída" em caso de uma disrupção do mercado de atuação.
Afinal, negócios vencedores se transformam o tempo todo e podem, inclusive, "matarem-se a si próprios" em busca de nichos de mercado mais promissores, se esse for o caso. No futuro não muito distante, por exemplo, os principais clientes da Apple podem passar a ser pessoas interessadas em serviços de bem-estar, uma vez que a empresa coleta dados pessoais e já demonstrou a ambição de ter relevância nesta indústria. Da mesma forma que a rede de cafés Starbucks poderá ser o novo posto de combustível de quem tem um carro elétrico e opta por um local mais confortável para aguardar o tempo de carregamento do veículo.