Da repórter Laura Beal Bordin
Considerado um “pop-star” da advocacia criminal, Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, defende hoje 12 investigados pela Operação Lava Jato e esteve em Curitiba para falar sobre a criminalização da política, que relaciona com os avanços da Operação Lava Jato. “Quando eu falei que eles iam criminalizar a doação eleitoral, ninguém acreditou. Esse é um movimento de criminalização do processo político”, afirmou. Em entrevista, o advogado falou sobre o que considera falhas da Operação e sobre a tentativa de modificar algumas decisões proferidas em primeira instância instância no Supremo Tribunal Federal (STF). “A Lava Jato é de extrema importância, mas se perdeu em alguns pontos. Por mais que eu considere o juiz Sergio Moro sério e competente, o tornaram em um herói e ele acreditou. Holofotes demais cegam”, disse o advogado criminalista. Kakay acredita que decisões de primeira instância podem ser mudadas no Supremo, mas que a repercussão da Operação pode atrapalhar. “Acho que essa espetacularização fez com que algumas coisas fossem se cristalizando dentro do processo e ai é mais difícil de mudar”, comentou.
O senhor já chegou a afirmar que o país vivia onda de “criminalização da riqueza” e que hoje, os políticos é que estariam sendo criminalizados. Como essas duas coisas se relacionam?
O país está vivendo uma onda monotemática, onde só a acusação tem voz e vez. Esse é um movimento orquestrado da chamada Direita Penal, onde existe uma criminalização da advocacia, onde o advogado é malvisto no processo. Essa questão da criminalização da riqueza eu falei há 21 anos e fui mal interpretado. Eu fiz uma habeas corpus para um empresário, filho de uma família tradicional de intelectuais de São Paulo. Naquele momento, o Ministério Público disse que a força da riqueza e da intelectualidade faria dele uma pessoa mais perigosa. No Brasil, sempre tivemos a criminalização de três tipos de pessoas – o negro, o pobre e a prostituta. E esse é um preconceito errado. O que eu quis com essa afirmação é extirpar qualquer tipo de preconceito. E hoje existe esse processo de criminalizar a riqueza e o poder. Preconceito não serve ao Direito, nem de um lado, nem de outro. Quando a pessoa está em casa, as vezes com dificuldades financeiras, sofrendo para pagar as contas e ela vê um empresário, um político, uma pessoa com poder sendo presa, ela sente uma satisfação difícil de explicar. E isso é muito ruim para o país, porque tira da cena política pessoas que poderiam mudar essa realidade. Hoje converso com jovens desanimados de entrar na política porque sabe que vai entrar numa carreira que será mal-visto.
O problema é a imagem que o político tem?
Mais do que que isso. Para que eles pudessem fazer a criminalização das doações eleitorais Quando começou esse processo da Lava Jato, eu conversei com alguns empresários e políticos e falei: “Eles vão criminalizar as doações” e ninguém acreditava disso. Eles foram fazendo alguns movimentos e enfraquecendo a classe política na sociedade como um todo para chegar a essa criminalização. Hoje existe esse projeto de caixa 2 ser crime. Se o MP está apresentando um projeto, é porque antes não era. E como identificar o que é crime? As doações antigamente eram feitas dessa forma. Se for provado que a doação veio com uma contrapartida, isso é crime e é evidente que tem que ser punido. Ninguém está querendo deixar de punir – a questão toda é a serviço de quem está essa forma indiscriminada de tratar os políticos. Isso é um desserviço à democracia por que você enfraquece o Congresso Nacional.
Qual é a avaliação que o senhor faz da Operação Lava Jato até agora?
Acho que a Operação tem uma extrema importância. Valorizo muito o trabalho feito pelo MPF, pela PF e pelo juiz Sergio Moro, mas a reflexão que eu faço: que país que nós queremos? Todos nós queremos o enfrentamento à corrupção. Eu não admito que um delegado, um procurador, um juiz diga que quer enfrentar a corrupção mais do que eu, do que qualquer outro cidadão. Agora, como fazer este enfrentamento? Há duas formas: com o devido processo legal, com o direito de defesa e com as garantias que foram ao longo de séculos sendo incorporadas à humanidade. Isso demora um pouco mais, mas você pode fazer o mesmo enfrentamento com essas garantias. Agora, se você quiser fazer este enfrentamento passando por cima desses direitos, ai acho que sairemos um país mais pobre. Acho que a Lava Jato se perdeu em muito pontos, com o excesso de prisões preventivas, com o Ministério Público reconhecendo que a prisão foi feita para conseguir a delação…Eu critico as coletivas de imprensa que o MPF faz quando existe Operação. Você tem uma proposta de Ação Penal que nem sequer foi aceita, um sujeito nem é réu sendo exposto durante duas horas, dissecando a vida da pessoa. Isso é feito para jogar a população contra aquela pessoa e dificultar um julgamento justo. Por mais que a Lava Jato tenha avanços – e eu acho que o Juiz Sergio Moro é sério e competente – mas quando há holofotes demais, podem cegar. A mídia o tornou em um herói nacional ele acreditou nisso. Isso não é bom para ele nem para o poder Judiciário, que tem que ser um poder tranquilo e não passional. O Congresso pode ser passional porque faz parte da luta política interna. O Judiciário não. Juiz não tem que chamar a população para acompanhar o enfrentamento que ele está fazendo. O juiz cuida da lei. Ele pode até ser rigoroso, mas esse espetáculo no processo criminal é muito negativo.
O senhor já chegou a afirmar que quando as ações da Lava Jato chegassem no Supremo, ela se acabaria. Agora, alguns processos já chegaram ao STF. Essa avaliação se mantém?
Nenhuma tese importante foi decidida pelo Supremo, nenhuma. Não acho e nem pretenderia anular a Lava Jato, porque tem muita coisa que foi feita que foi bem feita. Acho que tem algumas teses que vão ter que ser discutidas longe da passionalidade que se dá no processo. Os excessos de delação por exemplo. Hoje já tem ministro que critica abertamente esse movimento do MPF. Acho que essa espetacularização fez com que algumas coisas fossem se cristalizando dentro do processo e ai é mais difícil de mudar. Evidente de quando você tem um juiz voluntarioso, esse apoio popular, é mais difícil. Até porque tribunais são compostos por homens, o Tribunal Superior as vezes tem uma dificuldade de mudar puramente uma questão técnica por causa da repercussão que o caso tem. Hoje você tem decisões de primeira instância que ocupam 10 minutos do jornal nacional. Os juízes são humanos e estão sofrendo esse poder da opinião pública, mas muita coisa tem que ser questionada.