Em seu primeiro dia de governo, Lula decretou uma Medida Provisória que aumentava o número de seus ministérios de 23 para 37, mas ela precisava ser aprovada pelo Congresso para se tornar permanente. Se não fosse aprovada até a última quinta, 1º de junho, sua reforma ministerial cairia e a estrutura dos ministérios seria revertida ao que era durante o governo de Jair Bolsonaro. Seriam extintos ministérios criados por Lula, como os ministérios dos Povos Indígenas, da Cultura, da Igualdade Racial, dos Transportes e do Desenvolvimento e Indústria.
Em razão de sua fraca articulação política hoje, que compete com “importantes” iniciativas do governo como a recepção de ditadores e seu trabalho por vingança, Lula, em um movimento arriscado, precisou liberar uma quantia exorbitante de R$ 1,7 bilhão, a maior já liberada em um único dia durante seu mandato, como forma de garantir o apoio necessário para a votação da medida provisória dos ministérios. Esse movimento revela a fragilidade de um modelo de governança dependente de medidas provisórias e da liberação de emendas para que o Executivo possa executar seu plano de governo.
Esse rio de dinheiro para manter a reforma ministerial me fez retomar a reflexão sobre algumas questões. Por anos a fio, a política brasileira tem sido moldada por um jogo de interesses, uma dança de favores entre o Executivo e o Legislativo, apelidada com desdém de "toma lá, dá cá". Essa estratégia não parece ter partido específico e é empregada independentemente de quem ocupa o trono do poder. Porém, no xadrez político, o Partido dos Trabalhadores (PT), particularmente, se mostrou ao longo dos primeiros mandatos de Lula um talento notório em manobrar as peças no tabuleiro, utilizando dinheiro público e propinas para se perpetuar no comando do jogo.
Esse movimento revela a fragilidade de um modelo de governança dependente de medidas provisórias e da liberação de emendas para que o Executivo possa executar seu plano de governo
Mas o que significa esse jogo para a integridade de nossas instituições democráticas? Em que medida essa dança de favores compromete a efetividade das políticas públicas? São perguntas muito relevantes porque esse jogo faz com que muitos parlamentares votem em troca de dinheiro para suas bases eleitorais e não em favor do que entendem que é melhor para o Brasil. Por vezes, votam em troca de propinas e só muito tempo depois isso é descoberto. Em vez de termos políticas públicas feitas com base em evidências, temos políticas públicas construídas sobre as bases da distribuição do dinheiro público pelo dono do poder.
Essa é uma questão que a sociedade brasileira deve apresentar aos seus representantes, parlamentares, presidentes e ministros, que usam recursos públicos, cargos e apoio político como moeda de troca, deixando em segundo plano o mérito das propostas apresentadas pelo governo. Contudo, essa é uma questão que a sociedade deve apresentar também para si mesma, quando elege representantes com o objetivo primordial de que levem recursos para suas cidades. Os municípios ficam disputando entre si quem elege mais representantes, disputando a maior fatia do bolo, e fica em segundo plano o crescimento do bolo em si por meio de políticas públicas consistentes.
O problema do modelo brasileiro de relação entre os poderes é agravado pela incapacidade de liderança e uma subversão de prioridades de Lula. Em cinco meses de mandato, o presidente parece mais preocupado em mover as peças no tabuleiro olhando para o passado do que governar olhando para o futuro. Seus movimentos políticos e suas indicações se mostram mais um instrumento de "pagamento" para aqueles que o defenderam quando preso, que ele vê como fiéis, do que uma busca por um quadro mais técnico ou até mesmo que traga melhores articulações políticas. Exemplo disso é a nomeação de membros do grupo Prerrogativas para o Ministério da Justiça, culminando com a indicação de seu advogado pessoal, Zanin, para a vaga no Supremo Tribunal Federal, quebrando o princípio da impessoalidade, numa ação que parece buscar garantir fidelidade em detrimento de justiça ou representatividade no Judiciário.
As consequências destas práticas perversas, do “toma lá, dá cá” e do compadrio, são diversas. Primeiro, há uma erosão gradual da confiança do cidadão na classe política e nas instituições. Segundo, o uso recorrente do 'toma lá, dá cá' compromete a efetividade das políticas públicas, visto que a qualidade e a implementação destas passam a ser secundárias em relação ao jogo de interesses. Terceiro, há a legitimação de um sistema político que recompensa a lealdade ao invés da competência, resultando em uma governança pobre que favorece o pessoal em detrimento do coletivo. E, por fim, quando essas práticas envolvem corrupção, os serviços públicos essenciais são prejudicados e a democracia é corroída.
Esse episódio me fez lembrar que há muito que avançar na direção de reformas estruturais no Brasil, diante de tudo que está acontecendo, o que vai para além da iminente reforma tributária, que, espera-se, venha para aumentar eficiência e produtividade e não os impostos. É preciso avançar na direção de uma reforma política que busque melhor governança no país, em especial na relação entre governo e parlamento, democracia intrapartidária, redução do número de partidos, voto distrital ou distrital misto e redução de custos de campanhas.
Em que medida essa dança de favores compromete a efetividade das políticas públicas?
Também precisamos avançar para um sistema de justiça mais eficiente, que garanta a punição dos culpados e a preservação dos direitos dos cidadãos. Corruptos não podem ser exemplos de sucesso na política, e sim de fracasso. A principal disputa política vai para além da disputa entre direita e esquerda. Ela é a disputa entre honestos e corruptos, sérios e picaretas, sejam de qual espectro ideológico forem. E esse sistema de justiça funcional deve prestigiar as instâncias técnicas, inferiores, limitando o risco de arbítrio, de ativismos contramajoritários e da violação de liberdades por parte de tribunais que não foram eleitos para legislar nem fazer política.
Por fim, é preciso que a população se envolva mais na política e faça valer seus direitos. Este é um ponto que fortalece as esperanças, porque hoje a população consome política como nunca. Basta ver o engajamento em programas que tratam sobre política e nas redes sociais. Isso é essencial porque a democracia não se faz apenas com o voto, mas também com a participação ativa da sociedade no dia a dia político, por meio das ruas da internet e das cidades. O povo nas ruas sempre fez o mundo político temer e obedecer, seja porque reconhece o povo como soberano, seja porque tem medo. E é essa participação que, no final, irá determinar o futuro do Brasil. A história mostra que a mudança é possível, mas que ela exige muito esforço, estratégia e perseverança de todos.
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