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Deltan Dallagnol

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Justiça, política e fé

Arthur Lira, o intocável

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Demoraram apenas 13 dias para que a pergunta que fiz na minha penúltima coluna para a Gazeta do Povo fosse respondida. “O sistema protegerá Arthur Lira?”, perguntei então, ao comentar sobre os desdobramentos da operação Hefesto, investigação da Polícia Federal que apura desvios milionários na venda superfaturada de kits de robótica para prefeituras de Alagoas.

A resposta veio rapidamente: sim, Arthur Lira foi protegido pelo sistema judicial mais uma vez, para a surpresa de zero pessoas. Como dizia Carlos Fernando, uma das principais mentes que guiaram as descobertas da Lava Jato, no começo da operação: o sistema sempre protege os poderosos. Eles são intocáveis. A Lava Jato foi a exceção que confirma a regra, um sopro refrescante de justiça num inferno de impunidade.

A mais recente blindagem a Arthur Lira veio a jato e pelas mãos de Gilmar Mendes, o todo poderoso ministro do STF. Gilmar, como sabemos, é um ministro “garantista”, o que nos dias de hoje significa dizer que emite decisões em série que dificultam ou impedem a responsabilização de investigados. Não se faz aqui juízo de intenção ou de valor, mas constatação.

O sistema sempre protege os poderosos. Eles são intocáveis. A Lava Jato foi a exceção que confirma a regra, um sopro refrescante de justiça num inferno de impunidade

Tais decisões dos “garantistas” dificultam ou impedem responsabilizações, a não ser, é claro, que seja contra alguém da Lava Jato - em relação a eles, aliás, Gilmar vocifera, xinga, mas não se declara suspeito, o que contraria o espírito que o verdadeiro garantismo deveria ter, de garantia dos direitos fundamentais. 

Se o sobrenome na capa dos autos for “Moro” ou “Dallagnol”, muitos garantistas se tornam punitivistas e rejeitam as mais básicas garantias fundamentais, e você pode esperar que sua opinião seja oposta àquela que defenderam em casos envolvendo os sobrenomes Richa, Cabral, Barata, Temer ou Lula.

No dia 6 de julho, em decisão monocrática e, pasmem, sigilosa, Gilmar acolheu integralmente uma reclamação apresentada pela defesa de Arthur Lira e suspendeu a tramitação do inquérito da operação Hefesto. Não há maneira mais clara de apontar como o sistema de justiça garante a impunidade de Lira do que uma linha do tempo dos fatos recentes. Acompanhe:

  • Em 1º de junho, a Polícia Federal deflagrou a operação Hefesto. Com um aliado de Arthur Lira, foram encontradas anotações de pagamentos de mais de R$ 900 mil a “Arthur”, alguns com datas e locais que coincidem com a agenda de Lira, e outros em benefício de nomes que coincidem com aqueles de pessoas ligadas a Lira;
  • Em 6 de junho, analisando outro caso contra Arthur Lira, a 1ª Turma do STF “desrecebeu” uma denúncia apresentada pela PGR que já tinha sido recebida. Coincidentemente, no mesmo dia, poucas horas depois, sob a liderança de Lira, a Mesa da Câmara efetivou a decisão do TSE que, atropelando atribuições do Parlamento, declarou a perda do meu mandato parlamentar;
  • Em 20 de junho, o PGR Augusto Aras, que seria apoiado pelo centrão para ser reconduzido ao cargo de PGR – centrão do qual Lira é protagonista –, “avocou” do procurador de primeira instância uma investigação de improbidade envolvendo emendas do orçamento secreto indicadas por Lira para pavimentação de estradas. A avocação sem precedentes viola o que os procuradores consideram mais sagrado: sua independência de atuação, garantida pela Constituição;
  • Em 25 de junho, a imprensa revelou pela primeira vez as suspeitas da Polícia Federal, na operação Hefesto, de que Lira é o possível beneficiário de quase R$ 1 milhão em pagamentos registrados nos documentos apreendidos pela PF, aumentando a pressão sobre Lira, que naquela época estava em sucessivos embates com o governo Lula;
  • Ainda em 25 de junho, Lira comemorou seu aniversário em Portugal, onde estava para participar do “Gilmarpaloooza” ou “Gilmar Fest”, apelidos do Fórum Jurídico organizado pela faculdade fundada por Gilmar Mendes, que, aliás, estava no aniversário de Lira; 
  • No dia 26 de junho, enquanto, em Lisboa, Lira defendia a democracia como um dos principais palestrantes do evento em Lisboa, a PF no Brasil enviava ao STF os autos da operação Hefesto, em razão das provas que indicavam o possível envolvimento do presidente da Câmara nos crimes;
  • Em 4 de julho, a defesa de Arthur Lira apresentou reclamação ao STF que foi sorteada eletronicamente para - supresa! - Gilmar Mendes;
  • Em 5 de julho, a imprensa divulgou que Arthur Lira, em “uma tentativa de agradar a ministros do Supremo Tribunal Federal”, teria pautado a indicação da chefe de gabinete do ministro Dias Toffoli, que seria apoiada também por outros ministros, para uma vaga no Conselho Nacional de Justiça (CNJ); 
  • Em 6 de julho, a imprensa noticiou uma decisão expedida a jato, passando o caso de Lira, recém distribuído, na frente de dezenas ou centenas de outros casos, que provavelmente incluem habeas corpus de réus presos. A notícia foi: Gilmar Mendes trancou a operação Hefesto. 

A decisão que blindou Lira foi emitida em segredo, embora não consiga imaginar uma razão para o ato, já que se trata de investigação sobre crimes públicos, praticados mediante fraudes em licitações públicas. Ainda assim, o teor da decisão foi divulgado pela imprensa e causa perplexidade. 

Gilmar, como sabemos, é um ministro “garantista”, o que nos dias de hoje significa dizer que emite decisões em série que dificultam ou impedem a responsabilização de investigados

Segundo a imprensa, a decisão entendeu que o inquérito da operação Hefesto foi aberto na primeira instância com base em uma reportagem da Folha de S. Paulo que mencionava Arthur Lira, o que violaria sua prerrogativa de foro no STF. É como se a primeira instância tivesse usurpado a competência do STF.

Contudo, o próprio STF entende que a simples menção a autoridade com foro privilegiado não enseja a remessa da investigação às Cortes Superiores, que deve ser feita só quando surgem indícios concretos do envolvimento da autoridade em crimes. E foi isso o que, aparentemente, aconteceu.

Assim, depois de aprovar às pressas e sem debates a reforma tributária, acompanhar um possível embarque do seu Centrão no governo Lula e se blindar mais uma vez de uma investigação com potencial explosivo para sua vida e carreira política, Lira agora está curtindo o verão americano no luxuoso cruzeiro de Wesley Safadão pelas Bahamas.

Na última segunda-feira, as redes sociais foram tomadas por fotos e vídeos de Arthur Lira em suas férias antecipadas. Nas imagens, Lira aparece livre, leve e solto, com semblante e pose de quem não tem nada a temer na Justiça. E, de fato, pelo modo como nosso sistema de justiça funciona - ou não funciona -, não tem mesmo. Lira é intocável, assim como outros poderosos que nos governam, nos diferentes Poderes.

Enquanto isso, se prevalecer a decisão, a sociedade brasileira nunca saberá a verdade sobre os quase R$ 1 milhão pagos a “Arthur”, muito menos verá a cor dos milhões desviados do fundo de educação. As crianças e adolescentes de Alagoas, vítimas desses crimes, infelizmente, não são intocáveis. Tiveram seu futuro roubado e nunca receberão de volta as oportunidades perdidas. 

O garantismo que socorre e sempre socorreu pessoas como Arthur Lira não serve à população. O garantismo no Brasil serve os poderosos, nunca as vítimas. As vítimas querem e merecem justiça, mas o que recebem é dupla punição: pelos crimes praticados contra elas e pela injustiça de um sistema que garante a impunidade dos algozes, que podem voltar a vitimá-las livremente. 

Cada investigado, acusado ou condenado deve responder pelos seus crimes – ou pela suspeita de crimes – com garantia plena dos seus direitos. A última palavra sobre a inocência ou culpa sempre é da Justiça. Contudo, o que o garantismo à brasileira verdadeiramente garante no Brasil é um ambiente fértil para que grandes ladrões continuem a nos governar e a nos roubar. Um ambiente fértil para que o mal faça raiz e se dissemine.

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Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima

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