No aniversário dos atos de 8 de janeiro deste ano, a CNN revelou que havia pelo menos 32 pessoas presas preventivamente sem denúncia pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A prisão preventiva sem denúncia é uma das maiores e mais graves ilegalidades que podem ser cometidas pelo Judiciário contra qualquer cidadão, já que priva a pessoa de liberdade ao mesmo tempo em que a impede de saber até mesmo de qual crime ela está sendo acusada.
O art. 312 do Código de Processo Penal dispõe que a prisão preventiva só pode ser decretada se houver, entre outras exigências, a prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria. Esses são todos os requisitos exigidos para a apresentação de uma denúncia (acusação formal) pelo Ministério Público. Se até agora não há denúncia contra nenhuma dessas pessoas, então quer dizer que não há provas contra elas nem para acusar e nem para prender, tornando as prisões preventivas ilegais. Há ainda outra ilegalidade: o prazo legal para a apresentação da denúncia no caso de investigados presos preventivamente é de 35 dias.
O que está acontecendo no gabinete do ministro Alexandre e no Supremo em geral é uma violação sistemática dos direitos humanos e direitos fundamentais garantidos a todos os cidadãos brasileiros pela Constituição
A Lava Jato, com toda sua complexidade, com toda a gravidade dos crimes, jamais manteve pessoas presas para além de 35 dias sem denúncia, porque isso é insustentável. É errado, é injusto, é absurdo, é bárbaro, é uma aberração. Além de prejudicar a defesa que não sabe qual é a acusação sobre o preso, antecipa a execução da pena de alguém sem que existam provas de que ela de fato praticou crimes – se houvesse, estaria denunciada. É rasgar a Constituição.
Se a Lava Jato fizesse isso com algum réu, seria solto imediatamente pelos tribunais. Se o réu não levasse seu caso aos tribunais e permanecesse preso, isso viraria um escândalo e todos nós da operação responderíamos perante as Corregedorias por infração funcional e perante a Justiça por crime de abuso de autoridade. Contudo, Moraes faz isso sistematicamente, em larga escala e de forma impune. Isso não é menos errado porque acontece no STF – pelo contrário, é mais grave, pois não há a quem recorrer.
Fiz uma pesquisa em fontes abertas na internet para levantar e compilar quais são os casos públicos de presos preventivamente sem denúncia. Considerando o levantamento da CNN, há pelo menos outros 28 casos que não são conhecidos e que se encontram na caixa-preta de Alexandre de Moraes. A Gazeta do Povo tem feito um importante trabalho de expor casos individuais em que os abusos de Alexandre de Moraes são flagrantes, alguns deles listados abaixo. Vamos lá:
- Silvinei Vasques: foi diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF) durante o governo Bolsonaro. Ele foi preso por Alexandre de Moraes em 9 de agosto de 2023 por suspeita de interferência no segundo turno das eleições de 2022. O único fundamento da prisão preventiva foi um suposto “temor reverencial” genérico que servidores da PRF poderiam ter por Vasques e que poderia ser usado para obstruir as investigações, mas Vasques já estava aposentado da PRF antes da prisão. Silvinei Vasques está preso há 337 dias ou há 11 meses e 2 dias, sem denúncia pelos fatos;
- Filipe Martins: foi preso por Alexandre de Moraes em 08 de fevereiro de 2024 na operação Tempus Veritatis, acusado de ser quem apresentou a “minuta do golpe” para Bolsonaro. O fundamento da prisão preventiva foi uma viagem que nunca existiu: a defesa de Filipe Martins já apresentou todas as provas possíveis de que ele estava no Brasil e não nos EUA com Jair Bolsonaro. Nesta quarta (10), operadoras de telefonia mostraram que dados do celular de Filipe comprovam que ele estava no Brasil. Filipe Martins está preso há 154 dias, ou 5 meses e 3 dias, sem denúncia;
- Gilberto da Silva Ferreira: o mecânico gaúcho, de 49 anos, foi preso por Alexandre de Moraes em 17 de março de 2023. O fundamento da prisão foi a participação de Gilberto nos atos de 8 de janeiro, mas não há uma prova sequer de que ele cometeu crimes. Gilberto foi ainda proibido de receber visitas de sua família por todo esse tempo por não ter completado seu esquema vacinal contra a Covid-19. Gilberto Ferreira está preso há 482 dias, ou 15 meses e 24 dias, sem denúncia;
- Marco Alexandre Machado de Araújo: o motorista de Uber, de 54 anos, foi preso preventivamente por ordem de Alexandre de Moraes em 20 de abril de 2023. Foi preso por ter participado dos atos de 8 de janeiro, mas não há prova de que ele tenha cometido qualquer crime. Marco chegou a ser encaminhado para a ala psiquiátrica do presídio em razão do sofrimento mental de estar longe de sua filha recém-nascida, com quem não tem contato e não viu nascer. Marco de Araújo está preso há 448 dias, ou 14 meses e 21 dias, sem denúncia;
- Eliene Amorim de Jesus: a manicure e missionária Eliene de Jesus foi presa por ordem de Alexandre de Moraes em 17 de março de 2023, por ter participado dos atos de 8 de janeiro. Não há nenhum elemento de prova de que Eliene tenha cometido qualquer crime nos atos de 8 de janeiro. Eliene está abandonada em um presídio no Maranhão onde convive com presas perigosas e que debocham dela por suas convicções políticas. Eliene Amorim de Jesus está presa há 482 dias, ou 15 meses e 24 dias, sem denúncia.
Os senadores precisam se mexer com urgência para abrir, de uma vez por todas, a caixa-preta das prisões preventivas ilegais de Alexandre de Moraes
Além desses cinco casos, que são públicos, é preciso saber se todos os outros 28 casos de prisão preventiva sem denúncia reportados pela CNN no início do ano continuam na mesma situação, o que é praticamente impossível enquanto Moraes continuar escondendo suas decisões e dificultando o acesso das defesas aos autos. O que tem aí de mais sigiloso do que tinha na Lava Jato? Naquela operação, após as buscas e operações, tudo era publicizado para que a sociedade pudesse fiscalizar. Moraes é infiscalizável? Ele é supremo também em relação à sociedade?
A falta de transparência é gravíssima: todos os processos são, em geral, físicos, forçando réus e investigados a contratarem advogados caríssimos em Brasília para obter acesso aos autos, o que pode ser ainda negado pelo ministro. Toda a sociedade, todos nós não sabemos o que Moraes está fazendo. Ele coloca sobre si um sigilo de ferro, coisa de ditadura. Dezenas de advogados reclamam, até hoje, de dificuldades em ter acesso aos autos, enquanto a OAB se finge de morta. É a verdadeira venezuelização do processo penal.
Além desses cinco casos, há ainda outros casos conhecidos de pessoas que ficaram meses ou anos presas pela PGR sem denúncia, mas que tiveram suas prisões substituídas por medidas cautelares pelo ministro Alexandre de Moraes ou que foram objeto de denúncia tardiamente pela PGR. Algumas dessas pessoas são:
- Anderson Torres: passou 117 dias preso, ou 3 meses e 17 dias, sem denúncia;
- Mauro Cid: passou 98 dias preso, ou 3 meses e 6 dias, sem denúncia até a homologação de sua delação premiada; Mauro Cid voltou a ser preso em 22 de março de 2024 e foi solto apenas em 03 de maio de 2024, totalizando 42 dias preso, ou 1 mês e 11 dias; no total, Mauro Cid ficou 4 meses e 17 dias preso sem denúncia;
- Coronel Naime: passou 462 dias preso, ou 15 meses e 7 dias. Desses, 191 dias, ou 6 meses e 10, foram sem denúncia;
- Debora Rodrigues dos Santos: está presa até hoje por Moraes, desde 17 de março de 2023, totalizando 482 dias, ou 15 meses e 24 dias; desses, 420 dias, ou cerca de 14 meses, foram sem denúncia;
- Jackson Rangel: o jornalista passou 370 dias preso, ou 12 meses e 5 dias, sem denúncia;
- João Paulo Silva Matos: passou 275 dias preso, ou 9 meses, sem denúncia;
- Juliano Martins: passou 111 dias preso, ou 3 meses e 19 dias, sem denúncia. Juliano sequer estava em Brasília durante os atos do 8 de janeiro, mas foi preso mesmo assim.
Esses são apenas os casos que consegui levantar a partir de uma pesquisa pública em fontes abertas na internet, sendo que o levantamento da CNN indica que existem, pelo menos, outros 28 casos similares que não tiveram a exposição pública adequada. Mesmo sem fazer nada parecido com o que Moraes faz, a Lava Jato foi acusada pelos ministros do STF Gilmar Mendes e Dias Toffoli de ser palco de “tortura” e um “pau de arara do século XXI”. Agora abusos contra direitos humanos realmente graves e comprovados são feitos, debaixo do manto do sigilo e sem haver a quem recorrer.
A pergunta a ser feita depois desse levantamento é: o que o Senado vai fazer? O Senado é o único órgão em toda a República brasileira que tem o poder de fiscalizar os ministros do STF. Os senadores precisam se mexer com urgência para abrir, de uma vez por todas, a caixa-preta das prisões preventivas ilegais de Alexandre de Moraes. O que está acontecendo no gabinete do ministro Alexandre e no Supremo, em geral, não é nada mais, nada menos, do que uma violação sistemática dos direitos humanos e direitos fundamentais garantidos a todos os cidadãos brasileiros pela Constituição.
Diante de tantos casos com abusos comprovados, o Senado vai permanecer inerte?
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