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Deltan Dallagnol

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Justiça, política e fé

Ativismo judicial

Gilmar Mendes, o juiz-influencer do Supremo 

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Nesta última quarta-feira (23), o ministro Dias Toffoli completou 15 anos no Supremo Tribunal Federal (STF). Tradicionalmente, aos 15 anos, jovens moças comemoram o evento com uma grande festa de princesa para amigos e familiares, marcando a transição da infância para a vida adulta. No STF, o aniversário de Toffoli foi celebrado com elogios rasgados do decano do tribunal, ministro Gilmar Mendes. Prepare-se, leitor: é de revirar o estômago.

“Não só a sua decisão de instaurar o inquérito, mas também a designação do ministro Alexandre como relator foram decisivas para a preservação da democracia no Brasil”, afirmou Gilmar, referindo-se ao infernal inquérito das fake news, que há cinco anos atormenta os brasileiros sem sinais de conclusão. É impressionante como Gilmar conseguiu mentir três vezes de uma só vez: primeiro, o inquérito das fake news não preservou a democracia; segundo, a indicação de Alexandre de Moraes como relator tampouco foi decisiva; terceiro, é falso que a democracia no Brasil foi preservada. Ela foi destruída. 

E por quem? Ora, a culpa é, sem sombra de dúvidas, de seus pretensos e arrogantes salvadores: os ministros do STF que, como Gilmar, abusam de seu poder e afirmam fazê-lo em nome da democracia. Enquanto Alexandre de Moraes censura, silencia, prende, bloqueia e elimina adversários políticos do STF com seus “inquéritos do fim do mundo”, o papel de Gilmar é outro. A atuação de Gilmar tem duas marcas: primeiro, salvar a pele de envolvidos em esquemas de corrupção, concedendo anulações e solturas, e, segundo, ser o porta-voz do sistema e dos demais ministros, defendendo-os publicamente. 

No que diz respeito à blindagem de políticos e empresários acusados ou condenados por corrupção, é fato público e notório. O leitor, como eu, consegue citar de cabeça vários soltos por Gilmar: Beto Richa, Michel Temer, Paulo Preto, Anthony e Rosinha Garotinho, Adriana Ancelmo, Arthur Pinheiro Machado… a lista é extensa. Quanto à sua segunda função, a de porta-voz do Supremo, Gilmar tem sido incansável. Só nesta semana, o ministro não saiu da imprensa, sempre fazendo declarações que viram manchetes. Em vez de decano, Gilmar poderia ser chamado de “juiz-influencer”, pois é assim que ele age.

A atuação de Gilmar tem duas marcas: primeiro, salvar a pele de envolvidos em esquemas de corrupção, concedendo anulações e solturas, e, segundo, ser o porta-voz do sistema e dos demais ministros, defendendo-os publicamente

No último dia 14, Gilmar deu uma entrevista à CNN, onde não foi confrontado com perguntas difíceis e fez afirmações absurdas, como a de que, “se viesse por acaso a tramitar um processo [de impeachment] contra um ministro, certamente haveria discussão sobre se essa lei foi recepcionada, uma lei da Constituição de 1946, pela Constituição Federal de 1988”. Ou seja, já deixou claro que, se os senadores tentarem o impeachment de Alexandre de Moraes, o STF vai interferir. Gilmar ainda teve a pachorra de dizer que não vê nenhuma irregularidade nas ações de Moraes nos últimos cinco anos. 

Ao menos, essa fala teve um efeito positivo: parlamentares de direita criticaram Gilmar e começaram a se organizar para aumentar a pressão sobre o pacote de medidas anti-ativismo judicial no Congresso, interpretando corretamente sua declaração como uma afronta ao Legislativo. Na segunda-feira (22), Gilmar criticou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que proíbe ministros do STF de integrar o Tribunal Superior Eleitoral, dizendo que ela “não faz sentido” porque a Justiça Eleitoral é uma “invenção brasileira que deu certo”, por ter criado a urna eletrônica e agilizado a apuração dos votos. O que realmente não faz sentido é pagarmos um salário de mais de R$ 40 mil para um “juiz-influencer” que antecipa suas decisões e comenta casos na imprensa, condutas proibidas pela Lei Orgânica da Magistratura. 

Na sessão de quarta-feira, além de elogiar Toffoli, Mendes subiu o tom ao comparar as propostas para frear os abusos do STF a medidas da ditadura de Getúlio Vargas. A frequência e intensidade com que Gilmar se manifesta têm sido vistas pela direita como um sinal de medo e preocupação dos ministros. Quando Gilmar fala, é certo que ele não está sozinho; suas opiniões refletem, ao menos, as de uma parte do tribunal. 

Ao final dos elogios a Toffoli, Gilmar não economizou: afirmou que o inquérito das fake news “tem uma relevância histórica que talvez ainda não alcançou a vista” e que a passagem de Toffoli pelo STF já está “eternizada”. Para mim, o que está eternizado sobre Toffoli são duas coisas: o apelido “amigo do amigo de meu pai”, dado por Marcelo Odebrecht e revelado pela Lava Jato, e o inquérito das fake news, que, para Gilmar, é motivo de elogios, mas, para mim, é motivo de indignação com a injustiça e arbítrio, “de ódio e nojo”. Como disse Ulysses Guimarães na promulgação da Constituição de 88: “Traidor da Constituição é traidor da pátria. Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo”. E, se há algo que trouxe de volta a ditadura ao Brasil, foi o inquérito das fake news.

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