| Foto: Antonio Augusto/STF
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A decisão da juíza Andréa Calado da Cruz, que determinou a prisão do cantor sertanejo Gusttavo Lima, em razão de uma suposta participação em um esquema de lavagem de dinheiro em casas de apostas, não durou nem 48 horas desde que se tornou pública. Com base apenas em matérias jornalísticas, uma vez que a decisão estava sob sigilo, fiz uma análise jurídica para minhas redes sociais, na qual concluí que a decisão era estranha e carecia de fundamentos jurídicos sólidos. Cheguei a prever que a prisão preventiva do cantor logo seria revogada, e estava certo. 

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Na última terça-feira (24), o desembargador Eduardo Maranhão, do Tribunal de Justiça de Pernambuco, revogou a ordem de prisão contra Gusttavo Lima, bem como todas as medidas cautelares, como a suspensão do passaporte e do certificado de registro e porte de arma de fogo. O desembargador foi contundente: chamou a decisão da juíza de "genérica" e afirmou que "as justificativas utilizadas para a decretação da prisão preventiva do paciente e para a imposição das demais medidas cautelares constituem meras ilações impróprias e considerações genéricas. Desprovida, assim, de qualquer evidência material que justificasse, neste momento, a segregação cautelar." 

Um dos principais fundamentos para a prisão de Gusttavo Lima foi o fato de ele ter viajado à Grécia com um casal de investigados que não retornou ao Brasil com o cantor. Entretanto, como mostrei em minha análise inicial, não havia qualquer prova de que os três, ao viajarem para o exterior, soubessem da investigação contra eles. Tampouco estavam proibidos de viajar. O fato de o casal investigado não ter voltado ao Brasil não é, obviamente, de responsabilidade de Gusttavo Lima, que não tem qualquer poder ou autoridade legal para compelir ou forçar alguém a retornar ao país com ele.

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O desembargador foi contundente: chamou a decisão da juíza de "genérica" e afirmou que "as justificativas utilizadas para a decretação da prisão preventiva do paciente e para a imposição das demais medidas cautelares constituem meras ilações impróprias e considerações genéricas

O desembargador concordou, apontando que os três investigados viajaram para a Grécia em 1º de setembro, enquanto as ordens de prisão foram decretadas apenas em 3 de setembro, de forma sigilosa, ou seja, nenhum deles tinha conhecimento da investigação. “Logo, resta evidente que não estavam na condição de foragidos no momento do embarque mencionado, tampouco há que se falar em fuga ou favorecimento de fuga”, escreveu o desembargador, demonstrando bom senso jurídico. 

Se não havia fundamentos jurídicos para a prisão de Gusttavo Lima, por que uma juíza concursada, que deveria ser técnica, tomou tal decisão? Não podemos afirmar com certeza, mas alguns fatos sobre o histórico da juíza levantam preocupações sobre o estado atual do nosso Judiciário. A juíza Andréa Calado, além de ter mandado prender a advogada e influenciadora lulista Deolane Bezerra e agora Gusttavo Lima, chegou a ordenar a prisão de um jornalista que a desobedeceu após a magistrada determinar a exclusão de uma série de reportagens que denunciavam um esquema de corrupção

O jornalista Ricardo Antunes denunciou o promotor Flávio Roberto Falcão Pedrosa, de Pernambuco, em suas redes sociais, o que resultou em um processo do promotor contra Antunes por calúnia, injúria e difamação. Nesse processo, a juíza mandou derrubar todas as postagens que continham as reportagens, mas algumas permaneceram, o que Antunes justificou como um erro da equipe responsável por suas redes sociais. Ele também não teria comparecido a uma audiência de instrução criminal por estar de férias na Espanha, em um local com difícil acesso à internet de qualidade. 

A resposta da juíza foi truculenta: ordenou a prisão preventiva do jornalista, além de determinar o bloqueio e a remoção de seus perfis no Instagram, X, Facebook e YouTube, além da apreensão de seu passaporte. Não parece semelhante às ordens de censura ilegais do ministro Alexandre de Moraes, que tomou o mesmo tipo de medidas contra jornalistas e influenciadores como Monark, Paulo Figueiredo e Rodrigo Constantino? Não é coincidência: a juíza seguiu à risca a "Constituição alexandrina", que ninguém além do ministro Alexandre de Moraes e seus “jagunços” jamais viu ou estudou. Andréa Calado baseou todas essas ordens em trechos de decisões do próprio Moraes, no Supremo Tribunal Federal (STF). 

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Você já deve imaginar qual é um trecho das decisões de Moraes retratado pela juíza: é aquele em que o ministro repete a mesma ladainha equivocada de que a liberdade de expressão "é consagrada constitucionalmente e balizada pelo binômio liberdade e responsabilidade", ou seja, “o exercício desse direito não pode ser utilizado como escudo para práticas ilícitas”. E conclui com o maior clichê alexandrino de todos: "Não se confunde liberdade de expressão com impunidade de agressão." 

No entanto, Andréa Calado não é uma ministra suprema e nem uma olimpiana: sendo apenas uma juíza de primeira instância, foi denunciada por abuso de autoridade pelo Ministério Público, como a Procuradoria-Geral da República (PGR) deveria fazer em relação aos abusos de Alexandre de Moraes, mas que, até agora, tem optado por blindá-lo e lhe dar vergonhoso apoio irrestrito. Contudo, se depender de Gusttavo Lima, essa história não terminará aqui: "Oportunamente, medidas judiciais serão adotadas para obter reparação por todo o dano causado à sua imagem”, prometeram os advogados do cantor. 

Brincar de ser ministro do Supremo pode até ser divertido por um tempo, mas a realidade logo bate à porta para lembrar que, no Brasil, só existem 11 supremos, e eles não gostam de dividir o poder com ninguém.