A infame fala de Lula comparando as ações militares de Israel na Faixa de Gaza com o Holocausto perpetrado por Hitler rendeu a Lula o pedido de impeachment com o maior número de assinaturas da história - 139 deputados federais já assinaram o pedido até agora. “O que está acontecendo na Faixa de Gaza e com o povo palestino não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu quando Hitler resolveu matar os judeus”, disse Lula, para vergonha mundial do Brasil.
Além do risco de impeachment, que analisei na minha última coluna para a Gazeta, a abjeta fala de Lula pode render ao presidente uma denúncia criminal pelo crime de racismo que, preste atenção, pode afastá-lo da presidência. O artigo 20 da Lei nº 7.716, de 1990, prevê pena de reclusão de um a três anos e multa a quem “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Se praticado por funcionário público, a pena do crime pode chegar a quatro anos e meio de prisão.
Por que a comparação indevida de Lula entre Israel e Hitler seria considerada racismo? A resposta é simples: comparar as ações atuais do governo israelense às dos nazistas é uma forma clássica de antissemitismo, conforme definição da Aliança Internacional para a Memória do Holocausto (IHRA), uma organização internacional da qual o Brasil é membro. O antissemitismo é o racismo contra os judeus. Dizer que Israel e os judeus cometem atrocidades equiparáveis às dos nazistas é uma das formas mais perversas de antissemitismo, pois banaliza a personificação do mal que foi o Holocausto e profana a memória dos 6 milhões de judeus assassinados por Hitler.
Diante do possível enquadramento da fala de Lula no crime de racismo, o próximo passo seria a apresentação de uma acusação formal contra o presidente, a chamada denúncia, que só pode ser apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Foi por isso que a bancada de deputados federais do partido Novo apresentou uma notícia-crime à PGR, que agora terá de abrir uma apuração preliminar para verificar se Lula, de fato, cometeu esse crime. O que muita gente não percebeu é que esse é o caminho mais curto para o afastamento de um presidente.
De fato, o artigo 86, parágrafo 4º, da nossa Constituição Federal autoriza que um presidente da República seja responsabilizado por crimes praticados no exercício de seu mandato, desde que relacionados às suas funções. Como a fala de Lula foi dita justamente durante entrevista coletiva, enquanto ele exercia a representação externa do Brasil em viagem ao continente africano, ele pode vir a ser responsabilizado. O parágrafo 1º do mesmo artigo da Constituição estabelece que se o Supremo Tribunal Federal (STF) decidir abrir um processo criminal contra o presidente, este é suspenso de suas funções por até 180 dias.
O que muita gente não percebeu é que esse é o caminho mais curto para o afastamento de um presidente
Há, contudo, mais uma complicação. Após a PGR apresentar uma acusação contra o presidente perante o STF, este deve enviar a denúncia à Câmara dos Deputados, a quem cabe autorizar a abertura de processo criminal, o que só acontece quando dois terços de seus integrantes - 342 deputados - votam favoravelmente. Em agosto e outubro de 2017, nas duas únicas vezes em que esse tipo de decisão ocorreu, a Câmara recusou autorização para que o então presidente Temer pudesse ser processado no STF pelo crime de corrupção. O placar das votações foi relativamente apertado, com diferença de menos de quarenta votos.
Caso Lula seja de fato denunciado, portanto, entraremos em uma nova etapa, diferente e mais imprevisível, sujeita aos sabores e ventos da política. Temer era um hábil negociador que tinha controle sobre o Centrão, direcionando um grande número de deputados fisiológicos, que entregariam até a própria mãe em troca de cargos e verbas. Lula tem larga influência no Congresso, que segue respondendo em grande medida aos mesmos incentivos. Contudo, há hoje uma oposição de direita inédita na Câmara.
Foi por conta dessa oposição que, como comentei, o pedido de impeachment, colheu um número recorde de assinaturas na Câmara. O número é insuficiente para autorizar um processo criminal contra o presidente, o que indica que a pretensão de responsabilizar Lula ainda não furou a bolha da direita no parlamento, mas, repita-se, é um recorde. Além disso, há uma fatia significativa da sociedade, hoje polarizada, cobrando a responsabilização do presidente - e lembremos que políticos também respondem ao incentivo do voto.
A ampliação do apoio de deputados pode acontecer por meio da pressão social, mas há um outro elemento importante na equação. As reiteradas tentativas da oposição e da direita de responsabilizar Lula e seu governo por declarações e ações desastrosas para o Brasil enfrentam, como maior desafio, um STF em declarada “lua de mel” com o próprio presidente, e que abertamente diz ter atuado para soltar Lula da cadeia e transformá-lo, mais uma vez, no presidente da República. Esse mesmo STF que anulou condenações sólidas contra Lula estaria disposto a contribuir para a responsabilização de Lula por seu abominável racismo e antissemitismo?
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