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Deltan Dallagnol

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Justiça, política e fé

Meu pesadelo de Carnaval

Arthur Lira
Capital alagoana patrocinou a Beija Flor de Nilópolis para homenagear personagem do carnaval do estado. (Foto: reprodução/Instagram Arthur Lira)

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No ano passado, tive um sonho durante o Carnaval, em que assistia ao enredo de uma escola de samba que tratava dos esquemas revelados pela Lava Jato. Neste ano de 2024, entretanto, tive um verdadeiro pesadelo, daqueles que fazem você acordar aos gritos, suando frito. O que vi foi um grande desfile dos foliões do sistema, cada cena mais dantesca e infernal do que a outra. Atenção, leitor: alerta de gatilho à frente!

O primeiro bloquinho é o “STF manda e desmanda”: o carro alegórico tem nas suas bordas cercas de metal, como aquelas que adornavam o prédio do Supremo até pouco tempo. Dirigindo o carro está Alexandre de Moraes, que não aceita ninguém no volante a não ser ele mesmo. Lula está do lado, vestindo um véu de noiva e acenando feliz para o povo. No carro, há um grande cartaz com a frase “Recém-casados: Lula e STF em lua de mel”. Como foi que Janja deixou isso acontecer? Devia estar viajando! Quem segura o cartaz é Rodrigo Pacheco, que só faz isso: segura e olha. Olha e segura.

Em cima desse carro, Gilmar Mendes e Dias Toffoli sambam com uma borracha gigante enquanto apagam nomes de um quadro de condenações da Lava Jato e de outras operações. Os corruptos que tiveram sua barra aliviada por eles vêm atrás do carro, dançando e comemorando. Essa ala está superlotada de gente de terno e gravata com os bolsos estufados de dinheiro. Moedas caem e são recolhidas como migalhas por ajudantes gerais, que, aliás, recebem olhares de rejeição das mulheres no bloco de Lula.

O segundo carro chega: é novamente Alexandre de Moraes, mas como é possível ele estar em dois lugares ao mesmo tempo? No mundo pós-Lava Jato, tudo é possível: juiz pode ser vítima, investigador, acusador e julgador… então por que ele não poderia estar em dois lugares ao mesmo tempo? Lembre-se, leitor: estou relembrando meu pesadelo, então as regras da física não se aplicam aqui, do mesmo jeito que a Constituição e as leis não se aplicam aos ministros do Supremo, só a nós, pobres mortais.

Dirigindo o carro está Alexandre de Moraes, que não aceita ninguém no volante a não ser ele mesmo

Esse Moraes tem um arco e flecha na mão e o carro é puxado pelos políticos da oposição, com cordas sobre as costas expostas, algumas revelando feridas de flechas que penetraram a pele. À medida que o carro avança, eles são aos poucos abatidos um a um pelas flechadas de Moraes. O último a ficar de pé, claro, é Jair Bolsonaro: depois que este cai, o carro de Moraes continua andando, e passa por cima de todos os políticos agora caídos. Afinal, o show deve continuar. 

O terceiro carro alegórico é o dos comunistas: um orgulhoso Flávio Dino, como um rei, dança para lá e para cá com a foice e o martelo em cada uma das mãos (fico com sensação de déjà vu, como se já tivesse visto essa foto). Dino usa uma fantasia curiosa: são três roupas em uma. Do lado direito, uma toga branca, estilo romano, de senador; no meio, um terno de ministro da Justiça, e do lado esquerdo a toga preta dos ministros do Supremo. 

Atrás de Dino, sobre o carro, diverte-se a elite política com luxuosas fantasias, que se banqueteia e fuma charutos, alheia às dores e necessidades da população. Enquanto isso, a classe trabalhadora trabalha duro lá embaixo, empurrando o pesado carro. Atrás do carro está Orlando Silva, o relator comunista do projeto das fake news, que aparece regendo a ala que vem depois do carro. Essa ala está dividida em dois corredores: os da esquerda cantam, gritam e dançam em alta voz; os da direita estão, por alguma razão, amordaçados.

No quarto carro, começa a tocar o samba enredo da impunidade e da hipocrisia: Arthur Lira comanda, com os milhões das emendas parlamentares de Maceió pagando o desfile. Uma das investigações contra ele, a respeito de desvios milionários na venda superfaturada de kits de robóticas, acabou de ser apagada do quadro por Gilmar Mendes lá na frente. Lira está numa alegria só, dançando enquanto as folhas em branco de suas investigações e processos voam ao seu redor. Os desvios afinal não passaram de folhas ao vento.

No mundo pós-Lava Jato, tudo é possível: juiz pode ser vítima, investigador, acusador e julgador… então por que ele não poderia estar em dois lugares ao mesmo tempo?

Por último, vem o carro com o nome “Clube do amigo do amigo do meu pai”. É sem dúvidas o carro mais imponente, adornado por uma decoração de ouro, cravado por diamantes. O carro exibe as logos da Odebrecht e da J&F, que o patrocinam. Sobre o carro estão Emílio Odebrecht, Marcelo Odebrecht, Wesley e Joesley Batista, todos rindo e brindando juntos, segurando várias cópias de um jornal com manchetes sobre as anulações das multas bilionárias e provas dos acordos de leniência celebrados por suas empresas. 

Depois desse último carro foi quando acordei, suando frio e aos gritos. Liguei a televisão para me acalmar e tive outro susto: policiais estavam sendo retratados como demônios pela escola de samba paulista Vai-Vai. Assisti mais um pouco aos desfiles e lá estava Arthur Lira na festa da Beija-Flor, que homenageava Maceió, capital do Alagoas, seu estado. Desliguei a TV. Do jeito que a coisa ia, podia logo ver o pesadelo se tornar realidade… 

Tentei voltar a dormir, mas não consegui. A linha entre imaginação e realidade ficou de repente borrada, naquele momento entre o sono e a lucidez. Foi um pesadelo? Ficção ou realidade? Não sei dizer. Levantei-me e fui trabalhar, como milhões de outros brasileiros também fizeram nesta quarta-feira de cinzas. Afinal, alguém tem que pagar por tudo que acontece no Carnaval, e o do ano que vem promete.

Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima

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