| Foto: Agência Câmara/Bruno Spada
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Era um dia de agradecimento e celebração. Não esperava que o dia em que tomei posse na Câmara como deputado federal acabasse em frustração e indignação.

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O dia começou bem. Acordei às seis, corri do hotel até perto da Esplanada dos Ministérios e em seguida, como costumo fazer todas as manhãs, orei e li trechos da Bíblia e de um livro. Contudo, esse dia tinha um significado especial.

Primeiro, era um dia de agradecer: a Deus, pelo privilégio de me permitir dar voz a todos os brasileiros que se indignam com a corrupção e a impunidade; e a todos que me ajudaram a chegar ali, pelo apoio, trabalho, doações e votos.

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Era também um dia de celebrar a conquista de um espaço importante para várias causas que defenderemos no Parlamento: justiça, prosperidade, fraternidade, respeito ao direito de pessoas com deficiência e sua inclusão, assim como políticas públicas sobre evidências.

Cheguei meia hora antes da cerimônia, pela manhã, e entrei no plenário da Câmara. Rapidamente, vi Eduardo Cunha – acompanhando sua filha Danielle, eleita pelo Rio de Janeiro. Caminhei um pouco mais e lá estava Aécio Neves, eleito. Em um canto avistei Beto Richa, que também tomava posse como deputado.

Compartilhei da revolta de milhões de brasileiros que acompanham acusados ou condenados por corrupção voltarem à cena dos crimes pelos quais respondem. Eu me lembrei de quando, no auge da Lava Jato, acreditávamos que cenas como essa não mais seriam comuns.

Não vou mentir para vocês: ver com os próprios olhos foi um baque. Ao mesmo tempo em que a impunidade de muitos acusados por corrupção reina, instituições se voltam contra quem combateu a corrupção.

Compartilhei da revolta de milhões de brasileiros que acompanham acusados ou condenados por corrupção voltarem à cena dos crimes pelos quais respondem

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Em seguida, viria a votação para a presidência da Câmara e do Senado, em que foram eleitos candidatos alinhados com o governo do PT. Se os brasileiros elegeram tantos congressistas de direita, por que os candidatos de direita foram derrotados?

Além disso, as informações dão conta de que vários congressistas que defenderam pautas de direita nas eleições, inclusive parte significativa do próprio Partido Liberal (PL) de Bolsonaro estão se alinhando com o governo do PT. O que explica isso?

Isso acontece porque a maioria dos parlamentares são eleitos por pessoas que têm a expectativa de que eles levem recursos para as suas cidades ou regiões. A angariação de verbas é recompensada com votos.

Assim, para obter acesso a uma fatia maior do orçamento e ter o poder de indicar pessoas para cargos que permitam gerenciar o orçamento de órgãos públicos, esses parlamentares – de direita, esquerda ou centro – aproximam-se do governo, seja qual governo for.

Em troca de acesso ao orçamento, os congressistas se comprometem a apoiar projetos e pautas do governo, colocando em segundo plano seu conteúdo. À exceção de eventuais pautas que sejam muito caras para seus eleitores, os congressistas votarão com o governo independentemente do que estiver sendo proposto.

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Os parlamentares, então, levam os recursos para os municípios cujos prefeitos ou vereadores se comprometam a apoiar sua reeleição, formando uma “base eleitoral”. É o que é chamado de fisiologismo: em Brasília, há um “toma lá-dá cá” entre parlamentares e governo; nas bases eleitorais, há um “toma lá-dá cá” dos parlamentares com os prefeitos, vereadores e eleitores.

E por que grande parte dos parlamentares são fisiologistas? Novamente, porque isso funciona. Isso lhes garante prosperidade política. Afinal, muito eleitores seguem esse critério para votar: ser o candidato da região e ter o compromisso de levar recursos e obras para sua comunidade.

Nesse sistema, os municípios ou regiões ficam disputando entre si qual elegerá seus candidatos e terá a maior fatia do bolo orçamentário e serviços públicos – e os contemplados variarão ao longo do tempo -, colocando em segundo plano o a preparação e o compromisso dos candidatos com reformas estruturais – como tributária, administrativa, política e anticorrupção – que podem fazer o bolo crescer para todos.

As informações dão conta de que vários congressistas que defenderam pautas de direita nas eleições, inclusive parte significativa do próprio Partido Liberal (PL) de Bolsonaro estão se alinhando com o governo do PT

Há, ainda, é claro, uma parte de corruptos que buscam acesso ao orçamento para enriquecer. A literatura registra um número de casos assustador de desvios de recursos manejados por parlamentares. E até mesmo os recursos desviados podem ser usados para alavancar as campanhas eleitorais, facilitando a reeleição desses políticos.

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Há, assim, uma seleção natural em que os fisiologistas sobrevivem, fortalecem-se e se multiplicam. O sistema está doente. Cria incentivos perversos. A fome de orçamento se sobrepõe ou anula as duas principais funções do Legislativo: legislar e fiscalizar.

As duas tarefas de ouro do Legislativo ficam em segundo plano – isso quando recebem atenção. A prioridade é levar recursos para as bases eleitorais por meio de emendas ou cargos e, adiciono, despachar pedidos de seus municípios em ministérios, o que é outra forma parecida de fisiologismo.

A mesma população que defende o voto em parlamentares que levem recursos para sua região, depois, reclama quando eles votam em concordância com o governo para aumentar tributos, inflar a dívida pública ou realizar retrocessos no combate à corrupção.

Essa fome de orçamento, então, é um ingrediente essencial para compreender a eleição dos presidentes do Congresso e a ampliação da base do governo petista. Uma coisa, contudo, é saber que isso existe, e outra é ver com os olhos.

E, mais uma vez, confesso, isso dá um baque. Esse fisiologismo que guia acordos políticos se faz e se fez presente e visível desde o primeiro dia da legislatura. E tornará a ficar visível nas futuras votações de interesse do governo.

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Há, assim, uma seleção natural em que os fisiologistas sobrevivem, fortalecem-se e se multiplicam. O sistema está doente

Após a eleição do candidato do governo, o novo presidente da Câmara, Arthur Lira, anunciou o fim da sessão e um importante ponto da pauta do dia seguinte: a eleição de um novo ministro do Tribunal de Contas da União, que será indicado pela Câmara.

Trata-se de um dos cargos mais importantes do país, que atua na fiscalização e controle, para prevenir e reprimir desvios de recursos públicos federais. O cargo é vitalício. Por sua relevância, o Decreto Legislativo nº 6, de 1993, prevê requisitos para a indicação, como notório conhecimento especializado, e um procedimento para permitir a sabatina e o debate sobre os candidatos.

No entanto, esse procedimento não foi seguido. Além disso, a eleição do novo ministro apenas um dia após a posse dos Deputados, sem maior debate e envolvimento da sociedade na discussão, é precipitado.

Nessas circunstâncias, fica muito difícil conhecer e examinar, especialmente se você está nos 40% novos Deputados da Casa, quem seria o candidato com perfil mais alinhado para a vaga. Como se pode escolher assim quem ocupará um cargo tão relevante?

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No fim do meu primeiro dia como Deputado, saí frustrado e indignado da Câmara. Já havia ouvido falar muito sobre as dificuldades do Congresso, que incluem a convivência com acusados de corrupção protegidos pela impunidade, o fisiologismo sistêmico e o atropelo de procedimentos que afeta decisões cruciais, mas outra coisa é estar ali, vivenciando isso. Dói muito mais.

Notando esses sentimentos que não pude conter, no fim do dia, minha esposa me disse: “não perca essa capacidade de se sentir frustrado e de ficar indignado. É isso que as pessoas esperam de você. É isso que elas sentem. Dê voz a elas. Lute como elas querem que você lute”.

Há um longo caminho para a transformação, mas ele existe na democracia. É isso que vou fazer: lutar, com amor, indignação, fé, trabalho, coragem, estratégia e perseverança. Vou fazer o meu melhor e contar com a sua ajuda. Por vezes nos sentiremos golpeados, mas que isso nos fortaleça.

Lembro de uma cena em que Rocky Balboa diz "Ninguém vai bater tão forte como a vida, mas a questão não é o quão forte você consegue bater. É o quão forte você consegue apanhar e continuar seguindo em frente. É o quanto você consegue aguentar e continuar seguindo em frente."