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Deltan Dallagnol

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Justiça, política e fé

O presente de aniversário dos 10 anos da Lava Jato

Manifestação pró-Lava Jato, ocorrida no Rio de Janeiro, em 2017. (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

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No dia 17 de março de 2024, a operação Lava Jato fará aniversário de 10 anos. Quando ela foi extinta, no começo de 2021, 80% dos brasileiros a apoiavam, segundo pesquisa Exame/Idea. O maior presente de aniversário que a Lava Jato poderia ter recebido agora é a certeza de que a maioria dos brasileiros continua apoiando a operação, como mostrou uma pesquisa Quaest recente: 65% dos brasileiros que acompanhavam a operação de perto acreditam que a Lava Jato fez mais bem do que mal ao país. Se tomado todo o universo da população, o percentual é de 50%. 

Dentre os que acompanhavam de perto a operação, 67% acreditam que a Lava Jato ajudou a combater a corrupção no país (no universo geral o percentual é de 49%) e 59% afirmam que a operação só acabou por causa da reação da classe política (no universo geral, o percentual é de 42%, bastante relevante). Na pesquisa de 2021, 69% atribuíam à reação política o fim da operação. O dado mais avassalador de todos da nova pesquisa, entretanto, é o de que 74% dos brasileiros acreditam que o STF incentiva a corrupção ao anular os casos da Lava Jato. 

Essa percepção de culpa do STF foi reforçada nesta semana quando saíram notícias de novas anulações concedidas pelo ministro Dias Toffoli, que tomou para si a missão de presentear corruptos condenados e investigados de todo o Brasil com a impunidade, benesse de luxo que o STF dá tão livremente a pessoas acusadas de crimes de colarinho branco. Em menos de 7 dias, Toffoli concedeu um dos maiores revogaços de que se tem notícia: anulou processos e provas de 32 alvos da Lava Jato e de outras operações anticorrupção envolvendo o ex-governador do Paraná Beto Richa, ampliando o trabalho de passar a borracha que havia iniciado no Natal.

65% dos brasileiros que acompanhavam a operação de perto acreditam que a Lava Jato fez mais bem do que mal ao país

A justificativa de Toffoli para anular todos esses casos é uma fantasia petista já conhecida: a de que teria havido um suposto “conluio” entre o juiz Sergio Moro e os procuradores da operação. A justificativa, além de falsa (como demonstrei aqui), sequer poderia ser usada por Toffoli para anular vários dos casos, relacionados à operação Quadro Negro, do Ministério Público e Justiça estaduais, e à Piloto, comandada por outro juiz federal. Logicamente, é um escárnio anular essas operações com essa justificativa, já que o suposto “conluio” teria ocorrido apenas na Lava Jato, e não nessas outras operações. Toffoli anulou tudo mesmo assim, mostrando que o que há, na verdade, é uma grande vontade de anular: as justificativas - ou seriam pretextos? - são criadas no meio do caminho.

Os “revogaços” de Toffoli, por mais que sejam tratados com pouca indignação na imprensa brasileira, não têm passado despercebidos lá fora, onde o combate à corrupção é tratado com mais seriedade, especialmente nas democracias ocidentais. A revista britânica The Economist, uma das mais influentes do mundo, fez uma longa matéria sobre o aumento da corrupção em toda a América Latina, tendo como personagem principal o Brasil. A reportagem da Economist é um vexame devastador para os ministros do Supremo e para a classe política brasileira, que foram corretamente apontados pela revista como os responsáveis pela vingança do sistema contra a Lava Jato e contra quem trabalhou nela.

O vexame maior, no entanto, é de Dias Toffoli, que agora foi imortalizado e reconhecido internacionalmente pela revista, que mencionou, em inglês, o apelido “the friend of my father’s friend”, ou em bom português, “amigo do amigo de meu pai”, como o ministro era chamado por Marcelo Odebrecht nos e-mails secretos da Novonor, antiga Odebrecht. Aliás, a multa do acordo de leniência da Odebrecht, de R$ 8,5 bilhões, foi suspensa pelo próprio Toffoli, que também anulou as provas entregues voluntariamente pela empresa aos investigadores. A Economist lembrou ainda que esse apelido foi revelado em 2019 pela revista Crusoé, que depois foi censurada pelo ministro Alexandre de Moraes por fazer uma matéria verdadeira. Não foi a única.

A Economist não deixou de falar do auge da Lava Jato, de seus resultados inéditos e de seu impacto no Brasil e na América Latina, recordando que o Departamento de Justiça dos Estados Unidos a chamou de “maior caso de suborno estrangeiro da história”. De fato, a Lava Jato em Curitiba foi inédita na dimensão do trabalho e dos resultados. Ela teve 79 fases, 1450 mandados de busca e apreensão, 211 conduções coercitivas, 295 prisões, 723 pedidos de cooperação internacional envolvendo mais de um terço dos países do globo, 209 acordos de colaboração premiada e 17 acordos de leniência, com fartas provas. As investigações se espalharam para pelo menos 12 países, investigando 14 presidentes e ex-presidentes.

A reportagem da Economist é um vexame devastador para os ministros do Supremo e para a classe política brasileira

A partir desses atos de investigação, foram produzidas 179 ações penais contra 553 acusados, com mais de 250 condenações a um total de 2600 anos de pena, mais de 30 ações de improbidade administrativa que, juntas, pretendem recuperar mais de R$ 40 bilhões para a sociedade, e a devolução recorde de R$ 15 bilhões para as vítimas, sendo R$ 6 bilhões apenas para a Petrobras, a maior vítima dos crimes do PT e seus apaniguados no Petrolão. A Lava Jato revelou o monstro da corrupção brasileira que nos assola há 500 anos e, pela primeira vez, fez ele sangrar, mostrando que é possível vencê-lo e estabelecer um império da lei em que poderosos respondam por seus crimes.

As pesquisas públicas de opinião recentes, que confirmam o apoio dos brasileiros à Lava Jato, além da matéria da Economist, mostram que o sistema não venceu a guerra de narrativas e nem conseguiu reescrever a história, como Lula, o seu principal representante, sempre desejou. Hoje, representantes máximos de dois poderes, o STF e o Planalto, atuam de modo firme para espalhar narrativas políticas tão absurdas quanto a de que a Lava Jato seria uma conspiração com os norte-americanos contra a indústria nacional ou de que a Lava Jato seria um “pau-de-arara” do século XXI que “torturou” delatores que deram depoimentos aos sorrisos acompanhados dos mais bem pagos advogados do país.

A Lava Jato e seus agentes sempre sofreram ataques amplos e virulentos de todos os lados, seja de partidos, empresas e políticos: são muitas as pessoas ricas e poderosas que desejam manter sua sujeira sempre debaixo do tapete, e seus esquemas longe da luz do sol. A conclusão de que seus esforços não colaram, nem aqui e nem lá fora, nos dá esperança de que o Brasil ainda pode ser transformado em uma nação desenvolvida e livre da corrupção. O apoio dos brasileiros nos dá esperança de que a Lava Jato possa, um dia, voltar. Que essa esperança seja o seu presente nos 10 anos da Lava Jato.

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