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O ministro Alexandre de Moraes deve sofrer um processo de impeachment por ter violado, em tese, os itens 2, 4 e 5 da Lei de Impeachment (Lei nº 1.079/50). O referido artigo e respectivos itens dispõem que são “crimes de responsabilidade dos Ministros do Supremo Tribunal Federal”: (i) proferir julgamento, quando, por lei, seja suspeito na causa (item 2); (ii) ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo (item 4); e (iii) proceder de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro de suas funções (item 5).
Nesta última terça-feira (13), a Folha de S. Paulo deu início a uma série de reportagens que comprovam, por meio de mensagens e áudios vazados do gabinete do ministro Alexandre de Moraes, que o ministro utilizou, de forma abusiva e ilegal, a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do Tribunal Superior Eleitoral (AEED/TSE) como “laranja”, para a qual encomendava relatórios de monitoramento de redes sociais de pessoas desafetas ou que tinham Moraes como seu adversário político, todos, sem exceção, identificados na imprensa e nas redes sociais como vinculados ao bolsonarismo.
O esquema funcionava assim: o ministro encaminhava pedidos de produção de relatórios contra alvos pré-selecionados para o juiz instrutor de seu gabinete no Supremo Tribunal Federal (STF), Airton Vieira, que em seguida repassava os pedidos, via WhatsApp e sem qualquer tipo de formalização via ofício ou decisão, para Eduardo Tagliaferro, então chefe do AEED/TSE. Tagliaferro então monitorava as redes sociais dos alvos selecionados por Moraes e enviava os relatórios para o gabinete do ministro no Supremo, onde abasteciam o Inquérito nº 4.781/DF (inquérito das fake news).
O fato de que a iniciativa da apuração era de Moraes o tornava impedido ou suspeito para atuar no STF como julgador, mas ela era disfarçada: a fonte do pedido ou informação que gerava o relatório era falseada. Quando o próprio Moraes era alvo de críticas ou ofensas pelos investigados, o que também o poderia tornar suspeito, isso era ocultado. Com o material solicitado por ele mesmo, e mesmo sabendo ser suspeito ou impedido nesses casos, Moraes fundamentava decisões contra bolsonaristas. As mensagens, aliás, sugerem que ele pré-decidia e buscava os relatórios como meios para viabilizar seus objetivos, ainda que para isso fosse necessário “ser criativo” no seu conteúdo.
As reportagens mostraram que Alexandre de Moraes tinha absoluto controle do esquema, inclusive determinando a inclusão e exclusão de conteúdos e demonstrando irritação com a demora no atendimento às suas ordens. Chegou a questionar seus assessores: “Vocês querem que eu faça o laudo?”. Em outra mensagem, assessores admitem que a motivação com os alvos é pessoal: “Ele cismou. Quando ele cisma, é uma tragédia”.
O fato de que a iniciativa da apuração era de Moraes o tornava impedido ou suspeito para atuar no STF como julgador, mas ela era disfarçada
Em um dos áudios, o juiz instrutor de Moraes confessa saber que a atuação é ilegal: “Formalmente, se alguém questionar, vai ficar uma coisa muito descarada, digamos assim. Como um juiz instrutor do Supremo manda [um pedido] para alguém lotado no TSE e esse alguém, sem mais nem menos, obedece e manda um relatório, entendeu? Ficaria chato.” Mais do que chato, ficaria escancarado o impedimento ou suspeição legal do ministro.
As mensagens revelam não só conhecimento da ilicitude do esquema, mas que vários métodos eram utilizados para ocultar e esconder que o próprio ministro era o autor das denúncias. Em um trecho das mensagens, o juiz instrutor e o investigador do TSE falam na possibilidade de se criar até mesmo um e-mail anônimo para “esquentar” os relatórios solicitados por Moraes, de forma a ocultar que o pedido havia sido feito pelo próprio ministro.
O caso ainda fica pior. Há mensagens que comprovam que o ministro Alexandre de Moraes queria a desmonetização da Revista Oeste e outras "revistas golpistas". Como o investigador do TSE só encontrou matérias de cunho jornalístico, perguntou ao juiz instrutor o que ele deveria fazer. Então, o braço-direito de Moraes foi categórico: pediu a ele que "use a criatividade" para encontrar qualquer coisa contra a revista, como "comentários ácidos", a fim de subsidiar a decisão de desmonetização da revista.
Em outra mensagem, em plena campanha eleitoral de 2022, o juiz instrutor diz que o "Ministro pediu para verificar" as redes sociais dos deputados bolsonaristas, para "ver se estão ofendendo ministros do STF, TSE", e divulgando "fake news", com o objetivo declarado de multá-los. Ou seja: o ministro já havia decidido multar os alvos e procurava apenas um pretexto. Em seguida, lista os alvos: Bia Kicis, Carla Zambelli, Eduardo Bolsonaro, Filipe Barros, Daniel Silveira e outros.
As mensagens indicam, em tese, a prática de crimes. Primeiro, de falsidade ideológica (art. 299 do Código Penal) e de associação criminosa (art. 288 do CP), os quais devem ser apurados pela Procuradoria-Geral da República (PGR), o que já foi pedido pelo partido Novo, que enviou uma notícia-crime à PGR.
Além disso, a escolha de alvos bolsonaristas para em seguida procurar infrações ou crimes sugere perseguição pessoal de caráter político, invertendo a lógica do processo penal democrático que investiga fatos e, a partir deles, quem são as pessoas responsáveis, o que fornece indícios do crime de prevaricação (art. 319 do CP).
Contudo, como já dito, o episódio também revela, em tese, a prática de pelo menos três crimes de responsabilidade do ministro, que devem acarretar em um processo de impeachment e a remoção de Alexandre de Moraes do cargo pelo Senado Federal.
Com efeito, ao pré-selecionar alvos que seriam objeto de decisões desfavoráveis dadas por ele mesmo, com base em “cismas” pessoais ou por razão política, o ministro Alexandre de Moraes quebrou o dever da imparcialidade do juiz e demonstrou ter interesse direto e pessoal na causa, tornando-se imediatamente impedido (art. 252, IV, do Código de Processo Penal). O impedimento é uma condição ainda mais grave que a suspeição, de modo que Alexandre de Moraes cometeu o crime de responsabilidade previsto no item 2 do art. 39 da Lei de Impeachment: “proferir julgamento, quando, por lei, seja suspeito na causa”.
Ao se utilizar da AEED/TSE como “laranja” e como uma espécie de PGR pessoal, o ministro Alexandre de Moraes violou o princípio do sistema penal acusatório, que está previsto no art. 129 da Constituição e no art. 3º-A do CPP. No sistema penal acusatório, cabe à polícia investigar, ao Ministério Público acusar, e ao juiz julgar. O julgador julga de maneira imparcial e isenta. O juiz não pode tomar a iniciativa na investigação no sistema acusatório, mas deve julgar o processo de acordo com as provas que forem produzidas pelas partes. A suspeição acarretada por sua iniciativa probatória foi intencionalmente ocultada mediante fraude documental.
Ao usurpar as funções da PGR, agindo fora da lei, Moraes violou o sistema penal acusatório e viola, também, os seus deveres do cargo de juiz, já que foi além do que a lei o autoriza a fazer e exerceu atribuição de outro órgão, restando comprovada a intenção de violar a lei e os deveres do cargo, algo bem pior do que a desídia, que é o desleixo e a negligência com seus deveres funcionais. Assim, Moraes cometeu os crimes de responsabilidade previstos nos itens 4 e 5 do art. 39 da Lei de Impeachment: “ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo” e “proceder de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro de suas funções”.
Cabe agora ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, aceitar um dos pedidos de impeachment que a oposição ao governo Lula já se comprometeu a apresentar, e dar início ao julgamento de Alexandre de Moraes. Na imprensa, Pacheco já deu indicativos de que a chance de um pedido de impeachment contra Moraes prosperar é “zero”, mas o que Pacheco fará quando novas ilegalidades forem reveladas e a população for para as ruas pedir o impeachment do ministro? Este é o maior escândalo judicial da história do Supremo e não há mais espaço para complacências do Senado Federal com os abusos, as ilegalidades e o autoritarismo do ministro Alexandre de Moraes.
Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima