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Na última semana de 2024, uma discussão política se destacou em meio ao embate entre o governo, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso sobre as emendas parlamentares: uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de autoria do senador Randolfe Rodrigues, líder do governo Lula no Senado, que altera as regras para as eleições de 2026. Se aprovada, a PEC de Randolfe fará com que, em 2026, quando dois terços do Senado serão renovados, os eleitores votem em apenas um senador, sendo eleitos os dois mais votados. Essa mudança aumenta as chances de senadores governistas serem eleitos. A PEC modifica a regra atual, que permite a votação simultânea de dois senadores e favoreceria hoje a direita, graças às "dobradinhas" — chapas com dois candidatos de direita, às vezes até do mesmo partido.
Esse cenário reflete uma tendência consolidada após as duras derrotas sofridas pela esquerda nas eleições municipais de 2024 e o controle massivo que a direita conquistou na maioria das câmaras de vereadores pelo país. A mudança proposta pela PEC de Randolfe, portanto, vai além de uma simples estratégia do governo Lula em lua de mel com o Supremo: trata-se de um verdadeiro golpe à democracia brasileira. Não se trata de uma reforma política mais profunda e estrutural, que enfrenta os reais problemas de nosso sistema político. É essencialmente uma iniciativa cínica e oportunista, que, antecipando o provável resultado democrático, busca mudá-lo, motivada pelo temor do governo Lula de sofrer uma nova derrota esmagadora para a direita em 2026 e pelo temor de que a população escolha senadores que freiem os abusos que o STF vem praticando nos últimos anos.
Entretanto, há outra discussão, menos conhecida, mas mais relevante, que seria muito mais proveitosa ao país: as candidaturas independentes. Nesse modelo, candidatos podem disputar cargos eletivos sem estar formalmente filiados a um partido político. Entre as 20 maiores economias mundiais, que juntas representam 80% do PIB global, apenas o Brasil não permite candidaturas independentes. No mundo, 9 entre 10 países permitem candidaturas independentes. Esse dado é um sintoma claro de nossa disfuncionalidade política, favorecendo a concentração de poder em caciques e dificultando a renovação política. O artigo 14, §3º da Constituição Federal exige filiação partidária como condição para a elegibilidade. A justificativa é que o sistema partidário, em que os indivíduos se organizam em partidos para disputar eleições com base em plataformas políticas e ideológicas, seria um pilar da democracia representativa. Contudo, esse paradigma tem sido amplamente contestado por diversas razões, das quais três merecem destaque.
É essencialmente uma iniciativa cínica e oportunista, que, antecipando o provável resultado democrático, busca mudá-lo
A primeira razão é que a exigência de filiação partidária para disputar eleições fere o princípio constitucional de que "todo poder emana do povo". Ao obrigar que todos se filiem a um partido político para concorrer a um cargo eletivo, a Constituição transfere o poder do povo para os líderes partidários, que se tornam verdadeiros "porteiros da democracia". Eles controlam, de forma prévia e pouco transparente, quem poderá ou não disputar eleições, restringindo as opções de escolha dos eleitores. Essa situação é paradoxal, já que partidos políticos são entidades privadas, controladas por dirigentes que decidem não apenas os candidatos, mas também a destinação dos recursos dos fundos partidário e eleitoral. Essa conjuntura, descrita pelo professor Modesto Carvalhosa como uma "partidocracia", retira poder do povo. Com as candidaturas independentes, o poder retornaria aos cidadãos, permitindo que qualquer pessoa possa votar e ser votada, sem intermediários.
A segunda razão é que as candidaturas independentes ajudariam a solucionar a crise de representatividade da política brasileira. Segundo pesquisa realizada pelo Ipespe no fim de 2014, apenas 13% dos brasileiros confiam nos partidos. Ao mesmo tempo, o índice de reeleição do Congresso Nacional supera 65%, ou seja, 2 a cada 3 parlamentares mantêm seus cargos. Como isso é possível? A explicação está no monopólio partidário. Os líderes partidários priorizam candidaturas de políticos já conhecidos e com base consolidada, direcionando recursos para esses nomes, o que dificulta a renovação, pois vários estudos correlacionam o volume de recursos investido numa campanha com o número de votos alcançados. Isso perpetua os mesmos grupos no poder, alimentando a frustração dos eleitores. As candidaturas independentes aumentariam a competitividade do sistema eleitoral, abrindo espaço para novas lideranças barradas pelos caciques.
A terceira razão é que as candidaturas independentes enfraqueceriam partidos fisiológicos, que não se orientam por valores ou princípios claros, mas sim por troca de favores, acordos de bastidores e, em muitos casos, práticas criminosas, como corrupção. Com candidaturas independentes, os partidos precisariam se tornar atrativos para candidatos, em vez de os candidatos dependerem dos partidos. Partidos sem transparência interna e que não promovem debates com seus filiados perderão relevância. Ao mesmo tempo, partidos comprometidos com valores claros e boa governança interna se fortaleceriam.
Com a chegada de um novo ano, surgem novas oportunidades para aperfeiçoar o sistema político. Diante de uma proposta tão enviesada e oportunista quanto a PEC de Randolfe, a direita conservadora deveria apresentar uma contraproposta suprapartidária, mais produtiva e enriquecedora para o debate público: a das candidaturas independentes. Rechaçar as iniciativas da esquerda e do governo Lula com projetos sólidos e alinhados aos anseios da população é o caminho para mostrar que a direita tem um plano melhor para o Brasil, baseado nas melhores experiências internacionais. Se você concorda que é importante avançar nessa direção, una-se a essa causa e fale com seu deputado e senador para que eles apoiem as candidaturas independentes em 2025.
Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima