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Deltan Dallagnol

Deltan Dallagnol

Justiça, política e fé

Por que não recorrerei ao STF contra minha cassação

(Foto: Dorivan Marinho/SCO/STF)

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Nesta semana, depois de muita oração e reflexão, anunciei que não irei recorrer ao Supremo Tribunal Federal contra a decisão ilegal do Tribunal Superior Eleitoral que cassou o meu mandato de deputado federal, conquistado com os votos de 344.917 paranaenses. A razão para isso é muito simples: não há justiça no Supremo. Eu já cheguei a acreditar que houvesse justiça em meu país e que o STF seria capaz de entregar essa justiça. Faz tempo que não acredito mais.

Confiar na justiça e lutar por ela sempre fez parte de mim. Tenho orgulho de poder ter servido, ao longo de 18 anos de minha carreira, como procurador da República, uma função que sempre identifiquei como de amor ao próximo, porque é isso que o Ministério Público faz: cuida das pessoas garantindo o cumprimento da lei e da ordem, punindo a criminalidade, combatendo a corrupção, protegendo o meio ambiente e os direitos difusos e coletivos.

Infelizmente, é impossível reconhecer a justiça nas decisões que são diariamente tomadas pela maioria do STF. A maioria no tribunal, a quem compete a guarda da Constituição, tem destruído a democracia que deveria proteger, com decisões cada vez mais arbitrárias. No STF, o que me espera são três ministros que já votaram contra mim no TSE pela cassação do meu mandato. Além disso, temos os pivôs da destruição da Lava Jato, que não disfarçam sua inimizade por mim: Gilmar Mendes e Dias Toffoli, ministros que representam a ala dominante na corte, totalmente avessa à Lava Jato.

Os ministros que julgariam o meu caso seriam os mesmos que votaram para anular condenações e investigações contra Lula, Arthur Lira, Beto Richa, Sergio Cabral, Gleisi Hoffman, Eduardo Cunha e vários outros. São os mesmos que, mesmo com todas as provas encontradas pela operação Lava Jato, só conseguiram condenar um único político, o ex-deputado Nelson Meurer, que nem chegou a cumprir pena, falecendo pouco depois. E são os mesmos ministros que condenaram, à revelia dos princípios constitucionais mais básicos do direito penal democrático, pessoas envolvidas no 8 de janeiro, que não têm sequer foro privilegiado perante a corte, para enumerar apenas um dos dez problemas com o julgamento.

Eu já cheguei a acreditar que houvesse justiça em meu país e que o STF seria capaz de entregar essa justiça. Faz tempo que não acredito mais

Esses mesmos ministros têm, segundo a imprensa, interesse em emplacar candidatos seus à próxima vaga no STF, após a aposentadoria da ministra Rosa Weber. Dizem os jornalistas, ainda, que Gilmar Mendes está especialmente empenhado em influenciar a sucessão de Augusto Aras na PGR, e que Dias Toffoli tem tomado decisões absurdas contra a Lava Jato movido por um desejo de fazer as pazes com Lula e o PT, após ele mesmo ter destruído pontes com seus velhos amigos.

Num cenário desses, em que Lula - justamente quem vai fazer as indicações aos poderosíssimos cargos que são de interesse dos ministros - não esconde que seu maior sonho é a vingança total e completa contra a Lava Jato, é fácil de perceber que sobra pouco espaço para a Justiça, essa coitada entidade pouco lembrada pelos supremos. Ela fica ali, nas sombras do Plenário do STF, cegada, ensurdecida, emudecida, amarrada e impotente, esmagada pelo tamanho das pretensões políticas e desejos inconfessáveis por poder absoluto que permeiam o local.

Desde que anunciei minha decisão, recebi muitos comentários carinhosos de apoio e de força, pelos quais sou grato, e muitos que também expressaram sua revolta e sua indignação com o atual Estado de Abuso do Direito que vivemos no Brasil. É alarmante que a maioria das pessoas compartilhe exatamente o meu sentimento - de que não há justiça no STF - mas é também triste, extremamente triste. Tão triste quanto um desembargador precisar expressar, na tribuna do Supremo, que os ministros são as pessoas mais odiadas do país. Como nossa Suprema Corte se deixou desmoralizar desta forma?

Algumas pessoas chegaram a comentar: “Deltan, recorra ao STF, faça você mesmo a sustentação oral e exponha a injustiça do tribunal”. Como acreditar que até mesmo isso, o direito básico de um advogado ou de uma pessoa a apresentar pessoalmente a sua defesa aos seus juízes, será respeitado no meu caso? Como acreditar nisso quando o STF, ao ser confrontado com as críticas necessárias às suas ilegalidades e arbitrariedades por advogados durante o julgamento dos réus do 8 de janeiro, muda seu regimento interno para passar os julgamentos futuros ao Plenário virtual, negando a mais de mil réus e seus advogados o direito deles de serem julgados e apresentarem suas defesas no Plenário físico?

Não há como acreditar porque não há mais respeito à lei e à Constituição. Não há mais Império da Lei e Estado Democrática de Direito. Por conta disso, 35% dos brasileiros acreditam que não é permitido afirmar que o STF prejudica a democracia. Uma a cada quatro pessoas entende que não há liberdade de opinião no Brasil, que deveria ser garantida pelo Supremo. Além disso, 45% já sentiram medo de perseguição por criticar autoridades. As pessoas já perceberam que, hoje, há apenas o exercício puro e simples do poder e a manipulação da lei e das regras conforme as conveniências políticas do momento, em que salvam-se os amigos e aos inimigos sobra apenas a destruição. 

Hoje, como a maioria dos ministros me identifica como inimigo da corte, terei apenas isso à minha espera lá - abuso, arbitrariedade, ilegalidade e, ao fim, destruição. Isso no tribunal que deveria ser o primeiro a defender impessoalidade, imparcialidade e império da lei. Um dos maiores problemas é que os ministros que seguem a lei são os que têm menos poder, justamente porque não estão dispostos a violar as regras para beneficiar amigos e prejudicar adversários. Enquanto isso, vemos o poder dos demais crescer assustadoramente.

É fácil de perceber que sobra pouco espaço para a Justiça, essa coitada entidade pouco lembrada pelos supremos

Outras pessoas não conseguem entender como eu possa ter decidido não recorrer para recuperar o mandato - para essas pessoas, não há nada mais importante do que cargos, verbas, prestígio e status social. Mas não é isso que me move, nunca foi. Não sou um cargo e nem um mandato. Se fosse, aliás, nem teria renunciado ao meu cargo de procurador, que sempre me realizou profissionalmente e trazia mais conforto pessoal por qualquer ótica que se faça a comparação. O que me move - e move a muitos que estão comigo nessa jornada - é um senso de propósito maior, de que devemos construir um Brasil iluminado pela Justiça em que floresçam democracia, liberdade e prosperidade. Nas sombras da injustiça em que vivemos, isso jamais acontecerá.

E é por isso que vou continuar a lutar. As 344.917 mil vozes que foram caladas pelo TSE não serão caladas para sempre. A sua voz, leitor, também não será calada para sempre.

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