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Deltan Dallagnol

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Justiça, política e fé

Se reclamar da Ministre, só pode ser raciste

(Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)

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“Domingooo, eu vou pro Maracanã… ops, ato falho! Domingo a gente tá indo pro Morumbi…” Foi com essas palavras, entoadas em um leve tom de deboche, que a ministra da Igualdade Racial de Lula, Anielle Franco, começou uma história que revelou de uma só vez três grandes problemas: o autoritarismo que já virou a marca registrada do governo Lula, o racismo explícito dentro da equipe ministerial que deveria combatê-lo e o desrespeito recorrente dos políticos com o dinheiro dos pagadores de impostos.

A crise, no começo, era por um só motivo: a ministra Anielle Franco usou um jatinho da FAB para, em pleno domingo de final da Copa do Brasil, viajar de Brasília a São Paulo para assistir ao esperado jogo entre o São Paulo e o Flamengo. O pretexto utilizado pela ministra era o de assinar, com o Ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, o ministro dos Esportes, André Fufuca, e o presidente da CBF, um protocolo de intenções contra o racismo no esporte. Não colou: durante toda a semana, a ministra foi criticada e questionada pelo mau uso do dinheiro público e por sua resposta que só piorou a crise que ela mesma criou.

A crítica à Anielle é extremamente pertinente. Trata-se de uma ministra declaradamente flamenguista, que estava indo assistir à final de um campeonato do seu time de coração. A própria ministra, aliás, confessou isso no vídeo que publicou sobre a viagem. Contudo, em vez de viajar num voo comercial, como qualquer brasileiro comum, resolveu usar um jatinho da FAB, em um voo que pode ter custado até R$ 130 mil aos cofres públicos, se utilizarmos como parâmetro o valor gasto por outro ministro de Lula que já pegou jatinho da FAB para ir a um leilão de cavalos: o ministro das Comunicações que balança mas não cai, Juscelino Filho.

Todos os críticos apontaram o óbvio: o protocolo de intenções para “combater o racismo” no esporte pareceu apenas um pretexto para que a ministra flamenguista esbanjasse dinheiro público, em uma atitude típica de influencer, e não de ministra de Estado. Por uma ótica de economicidade, o protocolo de intenções poderia muito bem ter sido assinado em Brasília, em evento com os demais ministros da Esplanada, ou no Rio de Janeiro, sede da CBF. Sua assinatura no espetáculo não foi feita à vista de todos nem trouxe uma especial visibilidade para o ato. A imagem que ficou para a sociedade foi de que a ministra queria mesmo era assistir ao jogo do Mengão.

Não colou: durante toda a semana, a ministra foi criticada e questionada pelo mau uso do dinheiro público e por sua resposta que só piorou a crise que ela mesma criou

O que mais chamou a atenção foi a reação marcadamente autoritária de Anielle. “É inacreditável que uma ministra seja questionada por fazer seu trabalho de combate ao racismo e cumprir o seu dever”, reclamou a ministra. Ela ainda pretendeu cancelar os críticos, acusando-os de “desinformação, manipulação da verdade e notícias falsas”, o que classificou como “violência política de Gênero e Raça”. Ainda sinalizou virtude ao dizer que abriu mão de estar com sua família para trabalhar em um domingo, e que deixou suas duas filhas em casa, como se fosse uma grande tortura andar de jatinho para assistir a uma final da Copa do Brasil.

A emenda ficou pior que o soneto, como diz o ditado, e isso ficou demonstrado com a resposta desastrosa de Anielle às críticas, o que só aumentou a revolta social e agravou a situação política da ministra. Ficou claro que Anielle não aceita ser questionada e que se vê como alguém que está acima de qualquer fiscalização no exercício de sua função e em seus atos públicos, simplesmente porque ela representa a nobre causa do fim do racismo. A ministra esquece que está em uma posição de poder e de privilégio e que é uma autoridade pública sujeita ao escrutínio da imprensa e da sociedade, que deve prestar contas de seu trabalho para a população.

A ministra ainda se apropriou de uma pauta importantíssima, que é o antirracismo, para se blindar de quem corretamente aponta erros em sua gestão. Ninguém questionou a ministra por ela combater o racismo, mas sim pelo meio equivocado usado por ela para cumprir esse objetivo. A reação de Anielle não raro aflora nessa elite progressista que invoca virtudes e valores que, no fundo, não possui. Gostam de apontar dedos e cancelar os outros, ao mesmo tempo em que se valem das pautas das minorias e da justiça social apenas para avançar suas próprias carreiras e objetivos pessoais de dinheiro e poder. É a expressão perfeita do identitarismo “woke” importado dos Estados Unidos.

O segundo problema que a trapalhada de Anielle Franco revelou é o racismo que existia na equipe de confiança da própria ministra antirracismo. Em pouco tempo, descobriu-se que uma de suas principais auxiliares, Marcelle Decothé, Chefe da Assessoria Especial de Assuntos Estratégicos do Ministério da Igualdade Racial, publicou em suas redes sociais ataques abertamente racistas e xenofóbicas à torcida do São Paulo e aos paulistas: “Torcida branca, que não canta, descendente de europeu safade. Pior, tudo de pauliste”. Marcelle, que viajou de jatinho com Anielle para a final da Copa do Brasil, recebia um salário de R$ 17,1 mil do governo.

Ficou claro que Anielle não aceita ser questionada e que se vê como alguém que está acima de qualquer fiscalização no exercício de sua função e em seus atos públicos

O ataque da assessora de Anielle é absurdo em vários níveis. O que ela quis dizer com “torcida branca”? Por acaso toda a torcida do São Paulo é branca? Tenho certeza de que não. E se fosse, teria algum problema? Ser branco é algo pejorativo, ofensivo, ruim? E ser descendente de europeu “safade”, também é algo ruim? Ser “pauliste” é realmente a pior coisa que existe, como deixou a entender a assessora de Anielle? A ministra Anielle Franco deveria, no mínimo, manifestar repúdio a essas declarações, se realmente conflitam com a posição oficial de seu Ministério. 

Afinal, a manifestação caracteriza, em tese, crime de racismo praticado por meio de redes sociais, do art. 20 da Lei 7.716/89, cuja pena de dois a cinco anos é agravada de um terço até a metade quando praticado no contexto ou com intuito de descontração, diversão ou recreação. O crime pode ter a pena aumentada mais ainda, de um terço até a metade, se praticado por funcionário público no exercício da função. A pena máxima pode chegar, nesse quadro, a dez anos de prisão. 

É assustador imaginar que esta pessoa, que coloca todas as pessoas brancas em uma caixinha só, pejorativa, era uma das principais responsáveis pela elaboração de políticas públicas de igualdade e pacificação racial em nosso país. Já tivemos experiências suficientes na história do que acontece quando alguém com poder trata um grupo de pessoas da mesma raça de maneira pejorativa e as condena coletivamente - a mais trágica e traumática, é claro, foi o nazismo de Adolf Hitler. De que maneira a fala e o pensamento racista e xenófobo da assessora de Anielle contribui para o fim do racismo no Brasil? O Ministério de Anielle é realmente da Igualdade Racial ou é do Preconceito Racial?

Ao atacar a “torcida branca” do São Paulo e os “pauliste”, a assessore de Anielle acabou praticando justamente o problema que a viagem de jatinho da FAB supostamente devia combater: o racismo no esporte. Ironicamente, Marcelle Decothé integra o grupo de combate ao racismo da CBF, criado no ano passado. Depois da justa revolta com as atitudes da assessore, Anielle exonerou Marcelle e o Ministério anunciou que abriu investigação contra outras servidoras do órgão que acompanharam a viagem e provocaram a torcida paulista nas redes sociais, não sem antes dizer que as postagens foram feitas “em momento de descontração, fora dos ritos institucionais e de tom informal”.

A afirmação contradiz frontalmente a fala da própria Anielle, afinal, ela usou jatinho oficial. Não aceitou ser criticada por “fazer seu trabalho de combate ao racismo e cumprir o seu dever”. Ou as servidoras que acompanhavam a ministra estavam trabalhando, em missão oficial do governo e não poderiam jamais se portar da forma como se portaram, ou não estavam trabalhando em viagem oficial, apenas curtindo o jogo como torcedoras comuns, e portanto jamais poderiam ter acompanhado a ministra no jatinho do FAB. De qualquer forma, o comportamento racista em público das funcionárias, estivessem a serviço ou não, é inaceitável. As justificativas esdrúxulas do Ministério da Igualdade Racial apenas pioraram o problema e expuseram a hipocrisia esquerdista, as contradições dos esbanjadores de dinheiro público e o despreparo técnico e político da ministre Anielle Franco.

O terceiro e último problema de todo o imbróglio foi a ostentação deslumbrada com o dinheiro dos pagadores de impostos, o que infelizmente já é a regra entre os políticos brasileiros. Um levantamento apontou que o ministério de Anielle Franco gastou metade - METADE - das verbas de seu orçamento com diárias e passagens: cerca de R$ 6,1 milhões, dos quais R$ 130,5 mil foram gastos com a ex-assessore Marcelle Decothé. Após a crise deflagrada e alimentada pela ministre, é no mínimo natural questionar se todas essas viagens foram necessárias para atender o interesse público, já que a impressão que ficou desse lamentável episódio é que a ministre e seu time de assessores só queriam, mesmo, assistir ao jogo do Mengão em alto estilo.

Mas cuidado, leitor: se você criticar, a depender da cor da sua pele, podem te acusar de ser um branco raciste, descendente de europeu safade… um verdadeire criminose por violência política de gênero e raça. E, do modo como o governo Lula aparelha os órgãos, quem pode acabar na cadeia é você. Afinal, ultimamente, ninguém liga muito para os fatos, nem para a lei ou a Constituição.

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