“O ministro Dias Toffoli manda investigar a atuação da Transparência Internacional aqui no Brasil. Atenção! (...) O ministro Dias Toffoli parte de qual ponto? O Supremo Tribunal Federal entendeu ser ‘duvidosa a legalidade da criação de uma fundação privada para gerir recursos derivados de pagamento de multa às autoridades brasileiras’. À época, Deltan Dallagnol, então procurador da República, tentou criar uma fundação para gerir o montante de R$ 2,5 bilhões, recuperado na Lava Jato”.
E foi assim que, mais uma vez, num espaço de menos de dez dias, que a jornalista Daniela Lima, da Globo News, deu outra barrigada e espalhou informação falsa, como ela já tinha feito na semana passada ao dizer que a Polícia Federal (PF) havia encontrado um computador da ABIN com Carlos Bolsonaro. Daniela Lima não fez o dever de casa. Não apurou os fatos, misturou alhos com bugalhos e desinformou o público mais uma vez, agora sobre a decisão de Dias Toffoli. Isso é típico do jornalismo de emergência, de headlines, de caça-cliques.
Contudo, o problema, nesse caso, é mais profundo. A jornalista vive se gabando do acesso privilegiado a autoridades do Supremo. O acesso tem um custo, que é a transmissão da versão deles dos fatos como se fosse verdade. Balançando entre os pés, lê ao vivo as mensagens como se fossem informações apuradas. Fecha os olhos para o fato de que o Supremo se tornou um órgão político, permeado de interesses, muitas vezes inconfessáveis. O jornalismo se deixa usar como instrumento do poder.
Assim, ganham aquelas autoridades do STF, que espalham a sua versão em rede nacional, ganha a jornalista, que sai na frente na divulgação de furos, ganha a emissora, com a audiência, e perdem a informação de qualidade, o jornalismo que checa e verifica os fatos e o público. Versões se sobrepõem a fatos e aqueles mesmos que exigem a regulação e punição das redes sociais para evitar notícias falsas as promovem irresponsavelmente.
Ao contrário do que desinformou Daniela, a decisão de Toffoli referia-se ao acordo de leniência firmado entre a empresa J&F e a força-tarefa da operação Greenfield, que operava em Brasília, e não com a força-tarefa da Lava Jato, em Curitiba, da qual eu fui coordenador. O caso, portanto, nada tem a ver comigo ou com a Lava Jato. Além desse problema estritamente jornalístico, de compreensão equivocada da decisão (ou das mensagens recebidas), há um pior, que foi espelhado pela jornalista: o falseamento dos fatos pelo próprio ministro Dias Toffoli na decisão, num ato oficial, de Estado. Explico.
Versões se sobrepõem a fatos e aqueles mesmos que exigem a regulação e punição das redes sociais para evitar notícias falsas as promovem irresponsavelmente
O ministro Dias Toffoli, na sua decisão, solicitou documentos da Procuradoria-Geral da República e autorizou que o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União (CGU) também possam requerê-los, “para investigar eventual apropriação indevida de recursos públicos por parte da Transparência Internacional (TI) e seus respectivos responsáveis, sejam pessoas públicas ou privadas”. A decisão, assim, parte da premissa de que a TI recebeu ou iria receber e gerir recursos dos acordos de leniência firmados por autoridades brasileiras.
Acontece que essa é uma fake news, já desmentida em nota tanto pelo MPF quanto pela própria ONG em 2020. O autor da fake news era ninguém mais, ninguém menos, do que o ministro Gilmar Mendes, que admitiu abertamente ano passado que o Supremo enfrentou a Lava Jato para colocar Lula de volta no poder. Toffoli, de maneira seletiva, ignorou ainda um relatório de 2020 da Procuradoria-Geral da República que negou peremptoriamente a falsa informação de que a TI receberia R$ 2,3 bilhões do acordo de leniência da J&F.
O relatório é categórico: “Qualquer informação que trate de supostos pagamentos à TI nesse contexto é inverídica. Não há previsão alguma no sentido de que a Transparência Internacional e/ou o MPF seriam responsáveis por gerir os R$ 2,3 bilhões estabelecidos no acordo de leniência, ou em seus aditamentos, a título de reparação de dano social pela J&F, tampouco seriam destinatários ou gestores de qualquer outro valor do mencionado acordo”.
Esse relatório, aliás, é o mesmo que descartou quaisquer irregularidades da Lava Jato no acordo de leniência da Odebrecht, que foi solenemente ignorado por Toffoli tanto lá atrás quanto agora. Toffoli tem acesso a esse documento há meses, mas como ele não serve para a narrativa antilavajatista, o ministro prefere ignorá-lo, fechando os olhos para fatos e provas que desmentem as narrativas construídas nas suas decisões. Na semana passada, seguindo na mesma toada, Toffoli suspendeu os pagamentos de R$ 8,5 bilhões previstos no acordo de leniência da Odebrecht.
O falseamento dos fatos não é o único problema da decisão. Um outro problema jurídico grave na decisão de Toffoli é a falta de competência do ministro para decidir a respeito de casos relacionados à operação Lava Jato ou mesmo outras operações policiais, como a Greenfield, onde foi celebrado o acordo com a J&F. O relator de ambos os casos no STF é o Ministro Fachin. Toffoli não é o relator dessas ações no Supremo, mas incrivelmente passou a decidir sobre tudo dentro de uma Reclamação apresentada por Lula para contestar as provas da Odebrecht.
Toffoli tem acesso a esse documento há meses, mas como ele não serve para a narrativa antilavajatista, o ministro prefere ignorá-lo, fechando os olhos para fatos e provas que desmentem as narrativas construídas nas suas decisões
Trata-se de um caso claro de usurpação de competência. Quem lhe deu início foi o relator que antecedeu Toffoli no comando desses casos, o então ministro Ricardo Lewandowski, hoje ministro da Justiça de Lula. A pedido de Lula, Lewandowski impediu o uso das provas da Odebrecht contra Lula, mesmo sabendo que o ministro competente era Fachin. Desde então, empresas que fizeram acordos e acusados de corrupção têm apresentado petições nesse mesmo processo, mesmo sem qualquer relação clara entre os casos, buscando anular provas, multas, processos e condenações. Aquilo que os investigados e réus não conseguiram com Fachin conseguiram com Lewandowski e, mais tarde, conseguem com Toffoli.
Se a decisão de Toffoli não tem fundamentos fáticos e jurídicos que a sustentem, o que a explica, então? Desde que a decisão foi divulgada ontem, a hipótese mais comentada pelos jornalistas é de que Toffoli quer desesperadamente se reaproximar do presidente Lula e do PT, de quem se afastou durante os anos da Lava Jato, mas que agora estão novamente no poder. Esse seria o motivo de tantas decisões de Toffoli que tentam destruir o legado da Lava Jato e enterrar de vez a operação, o que chamou a atenção até da imprensa mundial.
Outra hipótese é a de retaliação, já que a TI citou Toffoli nove vezes no relatório em que apontou o aumento da percepção da corrupção no Brasil no primeiro ano do governo Lula 3. Segundo a organização, "graças às decisões do ministro Toffoli, o Brasil se torna um cemitério de provas de crimes que geraram miséria, violência e sofrimento humano em mais de uma dezena de países da América Latina e África". A decisão de Toffoli seria, assim, um “cala-boca” numa entidade fiscalizadora da sociedade civil.
As decisões do ministro têm desmoralizado o Supremo e o Brasil no palco internacional, ao consagrar o nosso país como o paraíso oficial dos corruptos. Veremos aumentar não só a percepção da corrupção mas também a própria corrupção, já que a impunidade a alimenta. Com a corrupção, veremos aumentar, por sua vez, o sofrimento humano que ela causa. A má notícia para Toffoli é que está claro para os brasileiros e o mundo o que está acontecendo. Quando os editoriais dos maiores jornais do Brasil, de esquerda até a direita, unem-se para criticar as decisões de Toffoli, como tem ocorrido, é porque todos perceberam que há realmente algo de muito podre no reino da Dinamarca.
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