Todo mundo que gosta de música “clássica” já ouviu alguém pedir dicas de por onde começar a ouvir. É que, por uma série de motivos, música clássica ganhou um ar meio esotérico. Como se fosse algo para iniciados. Uma coisa “exclusiva” – e quem acha que está do outro lado desse muro imaginário não sabe como entrar.
O primeiro conselho, e mais óbvio, é sempre: comece a ouvir mais. Só. Claro, como tudo na vida, você pode aprender a gostar de música clássica. É um gosto adquirido. Quem cresce ouvindo rock, provavelmente vai gostar de rock. Quem tem pais que curtem sertanejo, provavelmente vai aprender a gostar disso. O mesmo vale para qualquer tipo de música.
Esta série de posts que o blog começa hoje é, em boa parte, para desmistificar a tal música “clássica”. Começa pelo nome infeliz: “clássico” parece um troço distante. “Erudito” pior ainda. E os nomes alternativos que inventam (“música de linguagem”, por exemplo) não ajudam muito.
Portanto, se você quer começar a ouvir música clássica, primeiro lembre sempre: música é música, é para ser bacana, para se divertir. Nada de grandes mistificações. Tem coisas que são maravilhosas. Tem músicas que fazem a gente mal acreditar que um ser humano possa ter pensado em algo tão sublime. Tem, sim, música meio esotérica.
Estar à altura
Mas, no fundo, música é sempre música. Um post muito engraçado da tirinha “Wagner e Beethoven” mostrava Bach revoltado com o Eduardo Gianetti da Fonseca. É que o filósofo disse o seguinte:
“O direito de voltar à Partita II de Bach exige preparo e precisa ser reconquistado a cada nova audição. Ouvir bem – estar minimamente à altura do que se ouve – é trabalho duro, normalmente precedido de um pequeno ritual. Silêncio, isolamento e concentração são essenciais: olhos cerrados, respiração apaziguada, corpo na horizontal.”
Uma asneira completa, além de um desserviço. Ok: existem jeitos ideais de fazer as coisas? Beleza. Mas isso só cria essa aura de algo inatingível e mantém as pessoas sem querer se aproximar de algo que, no fim das contas, é para ser bacana. Feliz.
O Bach da tirinha respondeu à altura. “Fãs como você, ô Gianetti, queimam meu filme”. Verdade. Ou, como diz a piadinha na internet, música é para ser um troço bom. Se for para passar nervoso, a gente vai passar lençol com elástico.
Então, nada de ficar nervoso achando que se você não “entender”, se não estiver “na horizontal com a respiração apaziguada” você “não está à altura”.
Se quiser ouvir a Partita 2, vai aí, com a fabulosa Martha Argerich. Mas, por favor, ouça sem deitar. (Não é o melhor jeito de começar, talvez, mas é uma belíssima peça.)
Mozart
Eu mesmo já passei por isso. Ouvindo uma vez a Sinfonia 40, de Mozart, comecei a ficar frustrado porque na época eu não sabia exatamente como funcionava forma sonata, essas coisas, e aí achei que “não estava à altura” daquilo.
Ok, eu nunca vou estar à altura de Mozart em vários sentidos. Mas ouvir música não exige isso. Exige só que você esteja disposto a ouvir. E, de preferência, que aquilo te faça bem de algum modo: ainda que seja criando angústia, em alguns casos.
O próprio Mozart, imagino, acharia estranhíssimo se alguém quisesse que se ouvisse a música dele deitadinho com a respiração apaziguada. Como diz meu mestre musical Osvaldo Colarusso, talvez não seja música para ouvir lavando louça (eu acho que toda música dá para ouvir lavando louça, mas sou meio herege), mas não é bom exagerar no respeito.
Meus regentes favoritos (ou pelo menos muitos deles) são os que dão pulinhos e dançam quando é o caso. Porque música (também) serve pra isso.
Olhe por exemplo a felicidade do Bernstein dançando e regendo essa belíssima valsa do Ravel.
E, num exemplo mais engraçado, veja esse vídeo de Joseph Olefirowicz regendo justamente uma peça do Bernstein, do Candide. Ele ficou famoso no YouTube como o “maestro dançante”.
Exemplos
Então, moçada, o negócio aqui vai funcionar com muita dica de coisa boa para ouvir; algumas coisas sobre o “funcionamento” da música clássica; explicações sobre história da música; mas, principalmente, com exemplos pra você ouvir e se divertir.
Vamos lá. A partir daqui, toda semana vai ter Bach, Beethoven, Schubert, Villa-Lobos, Stravinsky e muito mais por aqui. Que seja divertido!