O Guardian, o jornal estrangeiro que eu mais gosto de acompanhar, tem uma seção sobre literatura chamada “Meu herói”. Nela, algum escritor fala sobre quem mais inspira seu trabalho.
Esses dias, quem falou foi Cynthia Ozyck, uma prosadora norte-americana de 83 anos. Judia, ela escolheu falar de George Eliot. Veja o textinho abaixo:
Minha heroína: George Eliot
Quando eu digo que George Eliot é minha heroína há muito tempo, eu quero incluir aqueles aspectos do pensamento dela que foram denegridos, ou dispensados ou ignorados. Ela era, afinal de contas, uma romancista que não evitou a política ou a polêmica – algumas vezes de maneira silenciosa embora desafiadora, como em sua relação com George Henry Lewes. Lewes, incapaz de se divorciar de sua esposa, foi condenado como adúltero e Eliot como uma mulher decaída. Mesmo assim, enfrentando um possível ostracismo, ela ousou ser chamada de senhora Lewes. Ela logo seria repreendida por uma ousadia maior, assumindo uma causa muito mais impopular e antagônica. John Blackwood, editor de Eliot, não a perdoava pelos temas judaicos e sionistas, como ele os via, envolvidos em Daniel Deronda: por que cargas d´água ela escolheria esse, entre todos os temas desagradáveis? Por razões pragmáticas (ela já era um Best-seller) ele segurou a sua língua. Lewes, que nunca deixava de dar apoio a ela, foi no entanto levado a admitir: “A mim parece provável que o elemento judeu não agrade a ninguém”.
Um século depois da publicação do livro, o eminente crítico de Cambridge F. R. Leavis criar a partir da obra um romance alternativo, que seria chamado “Gwendolen Harleth”, em homenagem a seu personagem mais vívido. “Quanto à parte ruim de ‘Daniel Deronda’”, disse ele, “não há nada a fazer a não ser cortar fora”. A “parte ruim” – o discurso eloquente de Mordecai, o sionista visionário – é altamente retórico, não arte romanesca. Nós podemos dizer que Leavis tem razão no aspecto literário, mas ao fazer isso nós estamos concordando em eviscerar a moralmente séria, historicamente sensata e apaixonadamente justa George Eliot. Três anos depois do surgimento controverso do romance, Eliot publicou um ensaio cujo título – “O moderno Hep! Hep! Hep!” – ecoava os uivos da multidão durante os protestos antissemitas na Alemanha (“Hep” significava a expressão latina “Hierosolyma Est Perdita”, “Jerusalém foi perdida”). Esse valoroso clamor é tão negligenciado hoje que chega a quase ser esquecido. Mas como a versão inglesa de “J´Accuse!” é ainda mais uma razão para o incomum o duradouro heroísmo de George Eliot.
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