Um amigo que gosta muito de literatura norte-americana disse ser fã de Paul Auster. Mas falou que às vezes se cansa dele por ter, digamos, um pouco de estilo demais. E disse que os livros que menos sofriam desse mal eram os de não ficção. Os dois livros autobiográficos escritos por Auster.
A diferença entre as duas coisas é mesmo gritante. Lendo o livro de ficção mais famoso de Auster, por exemplo, a Trilogia de Nova York, você encontra histórias divertidas, mas que vão longe na imaginação. Beiram, propositadamente, claro, o absurdo. Gente que deixa mensagens em código andando em zigue-zague pelas ruas; pessoas que passam anos sem abandonar ua casa; ou que espiam terceiros morando em lixeiras da cidade.
Em A invenção da solidão, primeiro livro não ficcional de Auster, ele é trazido para o mundo do dia a dia. Para o que todos nós vivemos, ou podemos viver. E mostra que tem muito o que dizer sem ter de inventar personagens mirabolantes.
Pelo contrário: aqui, os personagens não são nada demais. São filhos e pais. Só. O livro tem duas histórias, duas partes bem diferentes. E em cada uma delas, uma história sobre paternidade. Mais pé no chão, difícil.
A primeira parte fala do pai de Auster. Depois de muito tempo sem falar com ele, o personagem (o próprio escritor) sabe da morte súbita do homem. E escreve sobre como teve de lidar com isso. Especialmente, sobre como teve de lidar com a morte de um pai que quase nunca esteve próximo dele.
Boa parte do livro se passa com Auster mostrando o quanto desconhecemos uns aos outros. Mesmo quando são parte da família. Mesmo quando são nossos pais. O símbolo que ele usa para mostrar a “vida desconhecida” dos outros é um álbum que encontra na casa em que seu pai morava. Deveria ser um álbum de memória. Na capa, diz “Nossa vida – os Austers”. Só que o livro está completamente em branco.
Até há uma história, uma trama, mais “picante” na primeira parte do livro. Auster descobre, fuçando nas coisas da família, que houve um assassinato envolvendo seus avós quando seu pai era pequeno. Mas nada de a história virar policialesca ou algo do gênero.
Mesmo esse trecho serve apenas para que se pense sobre o que faz de alguém aquilo que ele é. Como o pai de Auster pode ter passado por aquilo: saber que sua mãe matou o seu pai. Tudo isso quando ele ainda era bem pequeno. Depois, a tentativa de vingança da família do morto, tentando matar a mãe do menino.
Tudo é bastante comedido. Sem muito sentimentalismo. Sem filosofia barata. Só um homem vendo os restos, os rastros deixados por seu pai desconhecido. Na segunda parte, o papel se inverte. Aqui, Auster conta sobre a relação que tem com o seu filho pequeno. De novo sem muito sentimentalismo, fala sobre o início da carreira de escritor, sobre sua vida solitária e sobre o bebê.
Nessa segunda parte, há um pouco mais de vontade de Auster de “transcender”, de tentar explicar o que se passa. Há dezenas de citações de literatura, comparações, metáforas. É mias “literário” do que a primeira parte, que um crítico do New York Times disse ter o gosto de algo escrito com urgência, como uma carta num momento de nervosismo.
A segunda parte não tem nervosismo, nem estresse. É mais contemplativa, toma seu tempo. Mas é igualmente bem escrita. Auster acabou famoso como romancista. Mas poderia ter seguido o caminho de memorialista com igual tranquilidade.
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