“Algo podia enfim ser enviado para a Europa de tão boa qualidade quanto qualquer coisa que foi recebida, e o melhor era que se tratava de algo completamente americano: pertencia ao solo, ao ar, veio do próprio coração da Nova Inglaterra.”
O trecho acima foi escrito por Henry James, um americano fascinado por literatura… e pela Europa. E foi escrito sobre “A letra escarlate”. Como ele mesmo diz, o primeiro grande romance americano.
Harold Bloom, o crítico, costuma dizer que, ainda hoje, o grande escritor típico é “branco, europeu e morto”. No século 19, então, era muito mais difícil achar um escritor (vivo ou morto) fora da Europa que pudesse ser comparado aos maiores.
Pense bem: quantos livros de ficção escritos fora da Europa nós lemos hoje escritos antes dessa época?
Nathaniel Hawthorne foi um dos primeiros a entrar para o clube. E o seu cartão de visitas foi justamente “A letra escarlate”.
O livro ém de 1850. Tem o formato de um folhetim, um novelão, em que o suspense é mantido a todo custo. É um livro de mistério, de amor e, também, de crítica social.
A história é conhecida de todo aluno de ensino médio nos Estados Unidos: Hester Prynne é uma adúltera. Teve um bebê e sabe-se que é ilegítimo. Numa sociedade puritana como a de Boston do século 17, onde se passa a história, isso era tremendamente grave.
O livro é todo construído com base num paradoxo: ao mesmo tempo em que é renegada pela sociedade, a personagem mostra uma dignidade ímpar, sobrehumana, quase.
Hawthorne faz a personagem passar por todas as provações. Começa o livro tendo costurada em sua roupa um pedaço de pano vermelho com a letra “. É um símbolo de seu adultério. Não tem o direito de jamais tirá-la.
Ela é humilhada por todos. Mas mantém a dignidade ao não aceitar as provocações, ajudar todos e cuidar bem do bebê. E mais: não conta a ninguém quem é o pai da criança.
Esse é o mistério do livro, que para um leitor de hoje não chega a ser tão misterioso. Rapidinho você descobre quem é o amante dela, e porque ela o protege.
Mesmo assim, o livro impressiona pela descrição da sociedade e pela personagem central. O livro continua sendo discutido e vira filme década sim, década não. O último tinha Nicole Kidman no papel principal.
O fim da história, tremendamente bem achado, tem uma chave de ouro poética que faz valer a leitura.
Mas, mais do que isso, o importante para quem gosta de livros provavelmente é ver essa pecinha sendo colocada no tabuleiro: um escritor novato iniciando uma literatura ainda quase ingênua, romântica, num país que a partir daí começaria a publicar obras cada vez mais geniais.
Hawthorne é o grande pioneiro da literatura americana. Não é à toa que Herman Melville dedica a ele seu Moby Dick, o grande romance dos Estados Unidos até hoje.
Todo escritor americano deve a ele o primeiro passo. Que pode parecer pequeno hoje. Mas na época foi gigantesco.
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