Sêneca foi um romano do tempo de Cristo. Escreveu sua filosofia no que hoje conhecemos como século primeiro. Espanhol de Córdoba, foi homem influente, conselheiro de imperadores, como Cláudio e, sim, até mesmo Nero. Mas não foi ele que aconselhou Nero a fazer nenhuma das coisas mais terríveis pelas quais ficou conhecido, claro.
Sêneca era um estoico. Filiava-se, assim, a uma das duas grandes correntes de pensamento de seu tempo. O embate era com os epicuristas. E o livrinho de que tratamos aqui, muito curtinho, é um dos momentos em que ele diz que está tentando unir os pontos de vista dos dois lados.
Na época, se você era estoico, não podia ser epicurista e ponto final. Portanto, para um estoico como Sêneca defender o ócio, como ele faz nesse “A vida retirada”, era quase como virar a casaca. Porque os epicuristas, sim, é que defendiam o prazer como princípio máximo e, desse modo, diziam que o melhor era se afastar da vida pública e procurar a vida boa, por exemplo, no convívio com os sábios.
Para os estoicos, como o próprio Sêneca lembra, segundo o ensinamento de Zenão, o buraco era mais embaixo. Era participar da República intensamente, e até o fim da vida, “apertando os cabelos brancos com o capacete” para a luta. Coo assim, então, se autoexilar e deixar tudo isso de lado?
Sêneca se defende, dizendo não estar traindo a causa nem dos estoicos nem da República. Diz ele que, primeiro, quando a República está muito corrompida, o melhor pode mesmo ser o afastamento. Segundo, na vida retirada (no ócio, segundo algumas traduções), o sujeito tem a chance de melhorar a si mesmo, refletindo, formando seu caráter.
Na cidade, na agitação, às vezes as coisas nos distraem e não desenvolvemos nosso potencial. Diz ele: “Somente dessa forma [na vida retirada] pode-se conduzir a vida segundo um único princípio, em lugar de fragmentá-la com projetos diversificados”. Em palavras de 2012, isso significa que se fechar num quarto para ler um livro é melhor do que ficar no Facebook…
Mas Sêneca dá um outro motivo ainda em favor da vida retirada. Segundo ele, existem duas repúblicas. Uma, a que você vive no momento. Roma, ou o Brasil, ou o que for. A outra, embora ele não use essas palavras, seria a república universal, a temporal. A humanidade, se quiserem.
E, assim, alguém que se retire, estude, escreva sobre como deve ser a política, por exemplo, estará prestando um enorme serviço, talvez melhor do que aquele que está de capacete na cabeça, pronto para a luta corporal.
Serviço: “Da vida retirada”, junto com “Da tranquilidade da alma” e “Da felicidade”. L&PM Pocket. Tradução de Lúcia Sá Rebello e Ellen Itanajara Neves Vranas. 142 páginas. R$ 11,00.
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