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Livro da semana: “Fuenteovejuna”, de Lope de Vega

Reprodução/Internet
Lope de Vega; “monstro da natureza”.

Fuenteovejuna é antes de tudo uma peça sobre política. Tem a ver com o período de Absolutismo do tempo de Lope de Vega, seu autor. Mas tem igualmente a ver com nossos tempos, e com qualquer época em que os seres humanos continuem abusando do poder para tirar proveito dos mais fracos. Esse, afinal, é o tema da peça.

Para criar sua trama, Lope de Vega, o homem que Cervantes chamou de “monstro da natureza”, por escrever centenas de obras, uma depois da outra, foi resgatar um fato histórico ocorrido mais de um século antes, em 1476. A peça é já do início do século 17, provavelmente de 1614.

No fim do século 15, a Espanha acabava de ser unificada pelo casamento dos “reis católicos”, Isabel e Fernando. E o país, em sua formação nacional, enfrentava guerras. Foi numa dessas disputas que um militar chamado Fernán Gómez de Guzmán passou pelo vilarejo de Fuenteovejuna (“fonte das ovelhas”, em português).

A peça narra como ele maltratou os camponeses e os moradores da cidade. Principalmente, queria forçar as moças a fazer sexo com ele. Já no começo de sua participação, insinua que duas das personagens deveriam ir com ele. Elas se recusam. Mais tarde, tenta ficar com a noiva de um camponês, que o ameaça e faz Guzmán desistir do plano.

A coisa vai ficando mais séria e ocorre um estupro. A vítima, uma moradora simples do local, se revolta porque os homens do povoado não fizeram nada o incita o assassinato do militar. É o que eles fazem. Tramam e executam a morte de Guzmán.

O ponto alto da peça ocorre quando as autoridades, incluindo o rei e a rainha, exigem satisfação sobre o que ocorreu. Num lance genial, todo o povoado se recusa a dar nomes de quem executou ou bolou o plano. Quando se faz a pergunta: “Quem matou o comandante?”, todos respondem em uníssono: “Fuenteovejuna”.

Não foi um ou outro, nem um grupo e sim todo o vilarejo que, revoltado com os malfeitos do tirano, decidiu matá-lo. Os reis, ao saber do que o militar havia feito, entendem e perdoam a população. E esse era o ponto final da história: quando é vítima da opressão, o povo tem o direito de reagir, inclusive com a morte do opressor.

Parece incrível que em pleno período de reis absolutos, como o que a Espanha ainda vivia (faltavam quase dois séculos para a Revolução Francesa), Lope de Vega pudesse escrever isso e sair impune. Era, afinal, uma limitação para o poder dos governantes. Mas, por essa época, essa discussão já ia adiantada.

O tema do tiranicídio (o assassinato do tirano) era comum nos tempo de formação do Estado Nacional. E a conclusão normalmente era de que o rei podia ser considerado um tirano em duas situações: se tomasse o poder por meios ilícitos; ou se, chegando ao poder por bons modos, passasse a agir em desacordo com o bom governo, desrespeitando normas mínimas de civilidade.

Pensando bem, é quase o tema do Hamlet, escrito pouco antes, não? O rei matou o irmão, se tornou um tirano por chegar assim ao poder, e deve ser punido. Ainda falando em Shakespeare, é também o tema de Macbeth (só que dessa vez contado ao contrário, tendo o tirano, não o vingador, no centro da cena).

A peça espanhola é mais curta e menos pretensiosa do que as de Shakespeare. São apenas três atos simples, levando direto ao clímax e à moral da história. Mas tudo contado com graça e jeito. Ou com engenho e arte, como se costumava dizer então.

Serviço: O livro pode ser encontrado em toda boa biblioteca. Com sorte, em um sebo. E, na internet, está de graça, em espanhol, aqui.

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