O mundo de Thomas Pynchon é estranho. Nele, um pesquisador pode “treinar” um polvo por meio de estímulos pavlovianos. Pode conseguir até mesmo que o polvo sequestre uma garota.
No mundo de Pynchon, um dos criadores dos foguetes durante a Segunda Guerra Mundial tem planos de colocar seu escravo sexual dentro de uma cápsula, para enviá-lo dentro do armamento.
Nesse mundo, pesquisadores levam a sério a possibilidade de haver uma correlação entre as relações sexuais de um tenente e os locais onde os nazistas miram seus foguetes: num mapa, mostram que os eventos têm lógica semelhante e seguem a “distribuição de Poisson”.
Thomas Pynchon é provavelmente o escritor norte-americano mais importante entre seus contemporâneos. Seus livros, embora não sejam necessariamente um sucesso de público, são um símbolo da melhor literatura do país no pós-guerra. E “O arco-íris da gravidade” é tido como sua obra-prima.
E nessa obra-prima é que estão todos os fatos acima. Em mais de 700 páginas, Pynchon reúne esquisitices suficientes para colocar qualquer outro escritor no chinelo.
Mas não se trata de causar efeito só pelo estranhamento. Da piada pela piada. A ideia aqui parece ser fazer um panorama paranoico do mundo durante o final da Segunda Guerra. Tanto na parte “engraçada” quanto na parte dolorosa, tremendamente dolorosa, que envolve qualquer guerra. Ainda mais aquela.
O livro é esquisito assim como esquisita é a Guernica de Picasso. Para pintar o século 20, caótico, com bombardeios, guerras, explosões, Picasso talvez não devesse fazer um quadro figurativo tradicional. Um painel no modelo “clássico”.
Pynchon também está retratando a guerra e seu caos. Está retratando o uso da ciência, da tecnologia e da falsa ciência para o confronto armado. Um mundo em que o objetivo é… sabe-se lá qual.
E seu método de “pintura” é o do caleidoscópio. Ele mostra trechos da vida dos personagens. Reveza estilos de narração, de acordo com o momento. Revela a insegurança de todos eles. E antes que qualquer história chegue a um fim, já estamos vendo outra cena, aparentemente sem nenhuma relação com a anterior.
Ler “O arco-íris da gravidade” é um exercício de imaginação. Até chegar a um quarto do livro, você fica imaginando que ainda não conseguiu perceber qual é o fio unificador daquilo tudo.
Só mais tarde você vai perceber que talvez não haja esse fio. Personagens entram e saem. Até o personagem “central”, Slothrop, simplesmente some sem maiores explicações.
No fim, é que você percebe: o que une as histórias é o tempo em que elas ocorrem: a guerra, seus traumas, e a tentativa de cada um de achar uma lógica naquilo tudo – assim como o leitor também passa um bom tempo tentando encontrar a lógica daquilo tudo.
Num mundo de caos, o melhor retrato possível tem de ser meio caótico.
Mas Pynchon não usa isso como desculpa para fazer um romance chato, tedioso. Muito pelo contrário. É um livro tremenda mente divertido. Difícil, mas divertido.
Nesta semana, vou pôr aqui cada dia um texto sobre o livro o escritor. Tomara que também seja divertido…
Serviço: No Brasil, há uma belíssima tradução de Paulo Henriques Britto da obra, lançada pela Companhia das Letras.
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