Não é por acaso que o tema do amor tenha dado origem a um dos mais famosos textos de Platão. Afinal, quem não se interessa pelo assunto? Dois mil e quatrocentos anos já se passaram e continuamos querendo saber da mesma coisa, mais e mais.
Além de trazer belas definições e pensamentos importantes até hoje sobre o tema, o livro tem um formato quase de peça teatral, que deixa ainda mais divertida a leitura. Trata-se, afinal, de uma festa.
Os vários personagens se encontram na casa de um figurão, um poeta, Ágaton, e decidem que, acompanhando a comida, terão discursos. Escolhem Eros como o assunto da noite. E cada um deve fazer um elogio ao deus do amor.
Há várioa discursos. Alguns hoje nos dizem pouco, talvez. Como o de Fedro, que elogia Eros como o mais velho dos deuses, e o mais poderoso. Mas tudo, na verdade, vai se encaminhando para ouvirmos os três personagens que falam por último.
Deles, o primeiro é Aristófanes. Sim, o comediante. Aquele que escreveu “Lisístrata” e até “As nuvens”, em que Sócrates aparece como personagem e vítima da ironia do autor. Aqui, os dois estão lado a lado.
Aristófanes fala sobre o amor com uma bela metáfora. Diz que, em tempos idos, havia três gêneros de humanos. Os homens. As mulheres. E os andróginos, que tinham quatro pernas, quatro braços, dois rostos em uma cabeça e os órgãos sexuais dos dois outros gêneros unidos.
Como eram presunçosos, os deuses cortaram-nos em dois. Separaram em meios-homens e meios-mulheres que, acostumados a viver como antes, se procuravam intensamente, viviam abraçados, buscando sua metade. Seria a origem do amor, dos casais e do sexo heterossexual (os homens e mulheres originais eram homossexuais).
O penúltimo a falar é o dono da casa, Ágaton, que faz um elogio rasgado ao Amor, ao deus Eros. Palavras bonitas, exageradas e, dirá Sócrates, sem muita verdade.
É um preparativo para que Sócrates faça o discurso derradeiro, tirando um sarrinho da beleza vazia do elogio anterior. E para que dê a versão que, afinal, interessa a Platão.
Sócrates conta como aprendeu tudo sobre erotismo com uma sacerdotisa, Diotima. E que ela lhe ensinou que Eros nem é deus, nem é belo, nem é bom. É um mensageiro que traz e leva algo dos deuses para os homens.
Para Diotima (e para Sócrates, e para Platão), o amor é falta. Sente-se falta daquilo que não se tem. Portanto, quem se ama não ama a si mesmo, mas a quem não é. E o amor é sempre buscar essa completude. E a completude final, que é a imortalidade.
O Amor, assim, está intimamente ligado à procriação, pois é por meio dos filhos que nos imortalizamos, assim como pelo renome e pela fama.
A definição de Sócrates não é teológica, nem poética. É filosófica e quase psicológica. Fala sobre quem somos e sobre o que queremos. Não é mitológica, como a de Aristófanes, mas antropológica.
Os discursos são entremeados de firulas ficcionais (Aristófanes não fala antes de outro porque está com soluços, por exemplo). E termina com um enamorado de Sócrates entrando na casa e tentando seduzi-lo.
Tudo isso em um texto que dá para ler de uma sentada, rapidinho. E com muito a aprendermos, ainda, dois milênios depois, sobre o que somos e como vivemos.
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