Os judeus americanos são conhecidos como os melhores comediantes do país. Têm todo um estilo de autodepreciação que tornou famosa a comédia stand-up deles. Woody Allen e Jerry Seinfeld são talvez os exemplos mais famosos.
O cara que elevou o estilo à categoria de alta literatura, porém, segundo o consenso, é o romancista Philip Roth. E ele conseguiu isso com “O complexo de Portnoy”, de 1969.
O livro segue todas as regras da arte da comédia judaica. É em primeira pessoa, com um judeu de classe média alta reclamando da vida e mostrando o quanto sofreu.
Muita autodepreciação, muita brincadeira com os costumes esquisitos do próprio povo, especialmente com as mães judias que, segundo a tradição, são as mais possessivas do mundo.
Assim como os personagens de Woody Allen, Alexander Portnoy não é um judeu por convicção. Simplesmente nasceu agarrado àquelas tradições e tem de conviver com elas.
No caso dele, o problema é que todos os valores da família batem de frente com uma pequena obsessão dele: sexo. E daí nasce o “complexo” do título.
O livro é todo narrado como se fosse uma consulta com um psicanalista. O sujeito quer saber como conciliar sua vida sexual absolutamente depravada com a família tradicional judia dele.
Começa contando da infância, quando ele se masturbava em absolutamente todas as situações, de todas as maneiras e usando os objetos mais repulsivos para ajudar no processo (incluindo uma cena escatológica que inclui o jantar da família…)
Depois, na vida adulta, ele transforma isso numa arte maior, digamos. Passa a fazer sexo de várias maneira, em grupo, com prostitutas, combinando a noiva e uma prostituta ao mesmo tempo, etc…
E ao mesmo tempo conta, por exemplo, como a mãe dele ensinava ele a fazer xixi de pé.
E como ele lidava com o complexo de ser judeu, o que o tornava “menor” ao lado dos colegas todos. (O personagem faz questão de lembrar que tudo isso foi antes de Marilyn Monroe ceder aos encantos do judeu Arthur Miller; o que, para ele, aliás, parecia estranhíssimo).
O livro é uma grande piada. Mas uma piada tão bem montada e tão bem escrita que se tornou um clássico literário.
Erica Jong chamou o livro de uma “epopeia da masturbação”.
O livro entrou na lista dos 100 melhores romances modernos de língua inglesa; e na lista dos 100 melhores de todos os tempos da revista Time.
Portnoy jogou Philip Roth na categoria dos clássicos. E ele se mantém no topo desde então. Seus livros se tornaram menos cômicos mas continuaram chamando a atenção do mundo.
Não é à toa que Harold Bloom considera Roth um dos quatro autores “canônicos” do nosso tempo.
Resumo da ópera. O livro é tremendamente engraçado e muito bom. Mas também é absolutamente pornográfico – o que não o torna exatamente recomendável para todo mundo.
Serviço:
Paulo Henriques Britto, que segundo quem é da área é o melhor tradutor do país hoje, publicou sua versão de “Complexo de Portnoy” pela Companhia das Letras.
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