A Stasi era uma máquina inacreditável. Como polícia política, dificilmente algo terá sido maior e, ao mesmo tempo, mais grotesco. E é essa história que a australiana Anna Funder conta em seu primeiro – e muito bom – livro de reportagem, Stasilândia.
Feita para proteger o regime comunista da Alemanha Oriental (sim, caros leitores mais jovens, um dia houve duas Alemanhas…) a Stasi caiu junto com o Muro de Berlim, vinte anos atrás. Antes disso, atormentou dia após dia a vida dos cidadãos que só queriam na vida uma coisa: liberdade, principalmente a liberdade de passar para o outro lado do muro se assim quisessem. Aliás, pequeno parêntese: como pode um regime querer dizer que é bom se precisa colocar um muro com guardas armados para impedir que virtualmente toda a população fuja para o país ao lado?
Anna Funder vai a Berlim para reencontrar as pessoas que podem contar essa história. Coloca anúncio no jornal dizendo que quer encontrar antigos agentes. E não são poucos o que podem contar essas histórias: estima-se que a agência chegou a ter 175 mil informantes e 90 mil agentes para monitorar 17 milhões de pessoas. Ou seja: a cada 63 alemães orientais, um era um espião. Contando os agentes informais, esse número subia para um a cada 6…
O livro conta coisas quase inacreditáveis, como a técnica de prender pessoas com base em seu cheiro. Como não havia exame de DNA, os agentes extraíam cheiros de provas que encontravam. Supondo, por exemplo, que encontrassem um panfleto contra o regime. Passavam um pano nele para que ficasse registrado o cheiro da mão de quem distribuiu. Depois, quando algum suspeito era preso, faziam um cachorro treinado cheirar esse pano e outro esfregado na pessoa.
Outra história que inclusive ficou famosa é a da perseverança de quem trabalha do outro lado, depois da queda da Alemanha Oriental, para reconstruir o passado de tirania do governo comunista. Como houve tempo antes da queda, os agentes picotaram milhares de papéis com informações importantes. Hoje, grupos de voluntários pegam esses sacos de papel e montam, como se fossem quebra-cabeças, para tentar entender a história.
O problema é que, com a quantidade de papel e o número de voluntários disponível, a expectativa era de que a montagem só ficasse pronta dentro de 700 anos…
Mas a parte principal do texto de Anna Funder é a que conta não os grandes fatos do regime, mas sim a que relata os dramas pessoais de quem viveu esses dias. Ela encontra por exemplo Miriam, uma moça que perdeu o marido e a juventude em função da ditadura que cobriu o país. É nesses relatos que se entende a real dimensão do que ocorreu durante a Guerra Fria.
O livro também tem seus pontos baixos, principalmente o exagero da autora de se colocar em cena o tempo todo, às vezes contando detalhes sem a menor importância sobre o que ela viveu pessoalmente em Berlim (o primeiro parágrafo do livro já é uma amostra disso). Mas, passando por cima disso, vale bem a leitura.
Serviço: “Stasilândia – como funcionava a polícia secreta alemã”. Anna Funder. Companhia das Letras. Tradução de Sérgio Telarolli. 376 páginas. R$ 54,00.