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Livro da semana – Ulysses

Ilustração: Felipe Lima
Joyce: o autor do Ulysses.

O melhor que você faz quando é suspeito para falar de alguma coisa é admitir de cara. Portanto, é isso que estou fazendo: admitindo desde já que sou suspeitíssimo para falar do Ulysses que a Companhia das Letras está lançando no Brasil pelo selo Penguin.

O motivo da suspeita, para quem já me conhece, é óbvio. Quem traduziu o livro foi meu irmão, Caetano. Mas é por isso mesmo, por outro lado, que talvez eu possa dar um depoimento que sirva para algo por aqui.

Lembro de ver o Caetano começar a ler o livro pela primeira vez. Acho que ainda morávamos juntos. Acho que foi em 97. Depois ele parou. E voltou. E nunca mais largou o texto. Me deu minha primeira cópia. Me mandou originais dele. E acompanhei mais ou menos o processo (embora ainda nunca tenha lido inteiro. Honestidade a toda prova hoje!)

Agora é que vou conhecer o resultado final, junto com todo mundo. Se tive alguma vantagem foi ver desde o começo como uma pessoa se apaixona por um livro, por um autor. Sim, vi o Caetano lendo os dublinenses, o retrato, e ele me contou quando terminou uma leitura “linear” do Finnegans Wake (coisa que sei que nunca vou ser capaz de fazer em minha vida).

E lembro de há muito tempo de ouvir ele dizendo as mesmas coisas que um apaixonado diz. O livro é difícil? Nada, imagina, é só impressão (bem conversa de quem quer defender namorada de temperamento difícil). Vale o esforço? Cada pedacinho é fantástico, dos mais óbvios aos mais estranhos (como quem defende até as estranhezas de uma pessoa).

Não sou jurado de tradução. Nem resenhista profissional. Nem conheço Joyce (muito menos o Ulysses) bem assim. Mas o que posso dizer é que essa versão brasileira, se não for a melhor, dificilmente encontrará outra tão bem cuidada. Foram dez anos de trabalho (o tempo que Ulisses, o grego, levou para voltar de Troia). Vi ele lendo, relendo, revisando, pensando sem fim naquele texto.

Se mais uns 10 ou 20 se apaixonarem pelo livro como ele por meio da tradução, tenho impressão que o trabalho estará completo. Porque essa é a vantagem do livro: mesmo que mil se apaixonem, o resultado não é a guerra de Troia, mas sim uma grande confraria. Que ela surja no Brasil é um belo projeto.

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