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O problema de McCain

Divulgação

David Foster Wallace, autor do livro da semana aqui no blog, “A Promessa de McCain”, era um misto de escritor de ficção e filósofo. Pelo pouco que conheço dele, parecia um cara extremamente preocupado, acima de tudo, com questões morais, sobre decência, respeito e comportamento humano.

Por isso, ao relatar seus dias acompanhando a campanha de McCain para presidente dos EUA em 2000, ele trata de relatar também como o candidato é nesse sentido.

É claro que isso inclui lembrar que ele foi prisioneiro de guerra no Vietnã e que, apesar de ser filho de gente importante e ter recebido uma proposta para ser devolvido antes dos outros, preferiu enfrentar cinco anos de agonia e sofrimento a abandonar os companheiros de luta. Coisa para poucos.

Mas o ato que mais marca, talvez, a descrição de como McCain pode ser um sujeito ético ocorre durante a campanha. Ele enfrenta uma situação difícil num evento no Michigan. Um sujeito meio lunático vai ao microfone e pergunta algo impossível ao candidato.

Veja o trecho, numa tradução própria e, portanto, ruim:

“… [Ele] veio até o microfone e disse que o governo do Michigan tinha uma máquina de controle de pensamento e que influenciava as ondas cerebrais e que nem mesmo enrolando uma folha de alumínio depois da outra na sua cabeça com uns buraquinhos bem pequenininhos para os olhos e para respirar podiam impedir a influência sobre as ondas cerebrais, e disse que ele queria saber se caso McCain fosse presidente ele usaria a máquina de controle da mente do Michigan para pegar os assassinos e perdoar o Congresso e compensá-lo pessoalmente por 60 longos anos de controle governamental da mente, e se ele podia ter isso por escrito. A pergunta não é engraçada; o silêncio na sala é do tipo mortificador. Pense como seria fácil para o candidato aqui ficar nervoso ou perder o equilíbrio, ou ver assessores durões retirarem o homem, ou (pior) fazer graça com o homem para tentar dissipar o horror de todos e o constrangimento e tentar marcar pontos com humor em frente à plateia, o que faria a maior parte dos repórteres mais jovens desmaiar de desgosto pelo cinismo, porque o pobre homem ainda está lá no microfone e olhando francamente para McCain, esperando uma resposta. Que McCain, incrivelmente, enxerga – a humanidade do indivíduo, a seriedade daquelas questões para ele – e diz que sim, ele promete dar uma olhada nisso, e sim ele vai pôr isso por escrito, embora ele acredite que eles tenham “uma diferença de opinião sobre essa máquina de controle do pensamento”, e em resumo ele desarma o homem insano e o trata respeitosamente sem ser condescendente com ele ou fingir também ser esquizofrênico, e faz isso tudo tão rapidamente e com tanta graciosidade e com uma decência tão básica que se isso fosse uma encenação de algum tipo então McCain seria o próprio Diabo”.

Isso não impede que Foster Wallace, em outros trechos, critique duramente as posições éticas e políticas de McCain. Mas eis o homem de caráter: é capaz de reconhecer as virtudes e as decências até daqueles que não são como ele.

Ponto para McCain. E, claro, para Foster Wallace.

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