Tenho percebido recentemente um afã de muita gente que quer fazer algo para fazer o mundo melhor. Tenho amigos que abandonaram as sacolas plásticas. Outros que resgatam cães na rua e dão remédios, casa, comida e roupa lavada. Outros ainda que aderiram ao protocolo de Kyoto: só andam a pé, de ônibus ou de bicicleta.
Antes que me entendam mal eu também faço algumas dessas coisas. E me sinto menos mau (com “u” mesmo) quando faço isso. São coisas que fazem sentido, afinal de contas. Cães de rua realmente sofrem. Há excesso de plástico e de carros pelo mundo.
O que me parece, no entanto, e conversando com mais gente descobri que não sou só eu, é que há uma certa confusão sobre o assunto: como se essas coisas, simplesmente, resolvessem um problema. Como se por aderir a várias (ou normalmente a uma só delas) você se transformasse em alguém melhor.
Em alguns casos, a causa vira mesmo algo mais forte, e quem não adere, não concorda, vira proscrito para os adeptos. Como se toda a bondade do mundo dependesse de você ser “um de nós”, de tomar “o caminho da verdade”. E, se não, você ainda é alguém que não viu a luz. Em suma, uma boa causa vira radicalismo.
Sou adepto da tolerância. E se alguém usa carro porque tem problemas de equilíbrio na bicicleta? Ou se simplesmente não gosta de cachorros. Ou se tem um dia tão corrido que não consegue parar para pensar em comprar sacolinhas verdes, ou seja lá como se chame. Ou se a pessoa simplesmente não estiver com vontade de aderir, quiser seguir outros princípios?
Por mim, há duas coisas importantes. Primeiro, que uma causa sozinha não faz verão. E é preciso saber que qualquer uma dessas coisas é apenas uma verdade parcial sobre o mundo. Isso, se for uma verdade. Isso, se for importante. Temos que parar de achar que descobrimos a roda. E saber que somos todos diferentes, que não podemos exigir que os outros pensem como nós (essa, por assim dizer, poderia ser uma causa por si só: o não-conflito, a tolerância).
Segundo, que ser bom é bem diferente de aderir a qualquer coisa dessas. Consigo imaginar um psicótico das sacolinhas, um nazista na ciclofaixa e alguém que destrata pessoas cuidando ultrabem dos cachorrinhos. A “causa” não garante nada sobre você, meu amigo. É preciso ir além.
Ser bom é outra coisa, bem diferente. É ser humilde, generoso. Ser paciente e tolerante. Ser justo e disciplinado. Ser tranquilo e bem humorado. É ter moderação e saber quando não exigir dos outros que sejam moderados. É ser resoluto mas inquieto, pacífico mas não se omitir.
Nenhum de nós faz tudo isso. Mas se fizéssemos um esforço para olhar dentro de nós seríamos melhores do que procurando uma causa fora.
Dito isso, vou hoje cuidar dos meus cachorros, tirados da rua. Depois de pegar o ônibus pra casa. Mas sabendo que isso, caro leitor, não faz de mim nada especial enquanto eu não aprender a não reclamar da causa alheia…