Wyslawa Szymborska, que morreu na semana passada, ficou conhecida no mundo inteiro em 1996, quando ganhou o Nobel de Literatura. Antes disso, sua influência na Polônia natal era grande, mas era pouco lida fora de lá. Talvez seja esse um dos méritos do Nobel quando escolhe alguém pouco conhecido: divulgar sua obra para mais gente.
No Brasil, uma coletânea maior dela só foi sair no ano passado. A tradutora é Regina Przybycien, professora da Universidade Federal do Paraná e professora visitante da Universidade da Cracóvia. O livro saiu pela Companhia das Letras com o singelo título de “Poemas”.
A professora deu uma entrevista sobre o que fica da literatura de Szymbrska. Leia abaixo:
Qual o legado que a escritora deixa? Qual, na sua opinião, é a marca mais forte dela?
“Legado” me parece uma palavra muito grandiosa e Szymborska detestava tudo que fosse grandioso. Que legado nos deixam os poetas mortos? Um punhado de poemas que, na melhor das hipóteses, ainda dizem algo para gerações futuras e, na pior, acumulam poeira nas bibliotecas. Acho que os poemas de Szymborska repercutem junto aos leitores de várias culturas porque tocam em questões com as quais eles se identificam. É possível também que haja um cansaço da poesia hermética e/ou auto-referencial e os jogos de palavras que tantos têm produzido há décadas. Szymborska consegue combinar simplicidade na linguagem com sofisticação de pensamento. Ela não aspira ao anonimato transcendental. A voz de seus poemas é inconfundivelmente sua, o que não quer dizer que ela discorra sobre questões da sua vida pessoal; muito pelo contrário, não há nada de pessoal na sua poesia.
Ela ficou conhecida por usar uma linguagem simples, bastante clara. Isso torna a tradução mais fácil? O que foi mais difícil no processo de tradução?
A linguagem é clara, sim, e aparentemente simples. Não existem malabarismos sintáticos, referências obscuras, jogos complicados, mas isso não torna a tradução mais fácil. Como expliquei no prefácio do livro Poemas, Szymborska lança mão de um vasto repertório de alusões tanto a elementos da alta cultura quanto da cultura popular da Polônia: provérbios, adágios, lendas, canções, etc. e os reformula para uso próprio. Tive ajuda de falantes nativos para identificar esses elementos. O tradutor tem uma difícil tarefa: manter essas referências ou procurar algo equivalente na língua e cultura para a qual a tradução é destinada. Procurei respeitar ao máximo o texto original e não criar outras referências, excesso em uma ou outra ocasião em que era impossível manter a referência sem prejudicar o ritmo, a sonoridade. Resumindo, mais ou menos como diz o último verso do poema de Szymborska “Sob uma estrela pequenina”: “Não me julgue má, fala, por tomar emprestado palavras patéticas,/ e depois me esforçar para fazê-las parecer leves.” Leveza requer esforço … e muita revisão.
Szymborska viveu num período tumultuado para a Polônia. Invasão nazista primeiro, ditadura comunista depois. Como isso marca a obra dela?
É impossível para um escritor do Pós-Guerra no Leste Europeu não ter sido marcado pela brutalidade da guerra e depois pelo totalitarismo comunista. A guerra está presente de forma clara em alguns poemas de Szymborska, mas sobretudo em certa visão trágica da vida, no tom sombrio que perpassa até os poemas mais leves, mitigado apenas pelo humor e pela ironia. No período comunista a produção artística era vigiada pelos órgãos da censura e os artistas faziam malabarismos para escapar da tesoura dos censores. Veja o poema “Dois macacos de Bruegel”. Aparentemente a voz lírica relata um sonho com uma pintura de Bruegel. Mas no sonho ela faz uma prova oral sobre história da humanidade. Quando ela não sabe a resposta correta o macaco lhe sopra “com um suave tilintar de correntes.” Uma leitura possível é que a voz lírica, como o macaco, está amarrada a uma versão única da história, tão cara aos regimes totalitários, e condenada a macaquear o que o regime espera dela.
Pelo que vi, ela foi integrante do partido comunista, mas depois se
desiludiu e abandonou o socialismo. Em alguma medida a poesia dela é marcada
por essas reviravoltas?
Não creio que ela tenha sido uma grande entusiasta do partido, mesmo quando jovem. Aderiu a ele porque era o que a maioria fazia. No período stalinista, havia um controle férreo sobre a produção intelectual e artística. Os dissidentes eram mandados para a prisão ou mesmo para os famigerados gulags na Sibéria. E só se publicava o que era considerado apropriado segundo a ideologia do partido. Nessa época a jovem Szymborska publicou dois pequenos volumes de poesia com versos otimistas que louvavam os trabalhadores, Lenin, etc. Após a morte de Stálin, com a relativa distensão política na Polônia, ela deixou de lado essa produção e começou a publicar poemas com uma inconfundível voz individual. Sobre sua adesão juvenil ao partido, guardou silêncio por décadas. Somente do início dos anos 1990 afirmou que, quando jovem, acreditou no socialismo.
Na Polônia, qual é a repercussão do trabalho dela? Lê-se mais poesia lá do
que aqui?Szymborska é muito popular na Polônia. Já era bem conhecida e admirada antes de ganhar o prêmio Nobel. Depois passou a ser assediada pela imprensa, pelos leitores a cata de autógrafos, pelos políticos em busca de promoção, pelos acadêmicos em busca de entrevistas e declarações (e não só da Polônia, mas do mundo todo). Um inferno para uma senhora de setenta e tantos anos que vivia uma vida discreta e meio reclusa. Seu secretário costumava brincar com a sua popularidade, dizendo, por exemplo, que havia um ônibus cheio de turistas japoneses em frente ao prédio esperando que ela descesse para serem fotografados com ela. Isso quanto a personagem Szymborska. Quanto à sua poesia, é bastante lida, sim. Muitos sabem seus versos de cor. A poesia tem um papel importante na cultura polonesa. No século XIX, quando a Polônia não existia como Estado, os poetas românticos no exílio se colocaram como porta-vozes da polonidade, procurando manter vivo o sentimento nacional por meio de seus versos. Muitas gerações de poloneses aprendiam esses versos na escola e os tinham na memória. Isso persistiu mesmo no período comunista. A tradição poética é bastante forte, o que não quer dizer que os jovens hoje leiam muita poesia. Creio que os jovens poloneses globalizados estão interessados em outras coisas. Como diz um poema de Szymborska, muito citado, “Alguns gostam de poesia” […]/ Sem contar a escola onde é obrigatório/ e os próprios poetas/ seriam talvez uns dois em mil.”
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