“A sensação que vinha do seu cheiro, da sua pele, de seu rostinho, e da consciência de que ali havia, a partir de mim e desse amor, uma nova pessoa, com seu destino e sua vida, nesta bela e complicada terra.”
(Lya Luft)
Conversando com meu filho…
“09 de janeiro de 2002…
Hoje é o nosso dia de alta e não me aguento de vontade de ir para casa.
Seu pai disse-me que chegará para nos buscar por volta das nove horas.
É dia também de fazer o teste do pezinho, ele é obrigatório e precisa ser feito 48 horas após o seu nascimento.
Fui acordada às 4 da manhã para amamentá-lo.
Você conseguiu mamar bastante hoje, tanto que acabou dormindo, acho que você se cansou, não é? Afinal, onde você estava, tudo era mais fácil e tranquilo.
Acomodei-o para dormir sobre um travesseiro que coloquei em cima das minhas pernas.
Fico admirada ao vê-lo neste embrulho parecendo um “charutinho” e pergunto-me como é que as enfermeiras fazem para deixá-lo assim.
Às vezes você parece que dá uns pulinhos, geme, contorce-se, mas dorme profundamente.
Cada dia que passa você fica mais lindo… Claro, coração de mãe coruja é assim, você será lindo a vida inteira para mim!
Enquanto escrevo, o tempo passa, já são 5h40min, não faz frio nem calor, consigo ficar até sem agasalho, mas estou com uma fome de leão! É um período muito grande em jejum, com alimentação leve e quando tudo passa ouço os “trovões” no meu estômago vazio.
Ontem à noite o tio Paulo veio nos visitar e te trouxe presentes lindos.
Ele pegou meu chinelo e brincou te dando uma bronca…Disse que se não ficasse quieto te daria uma chinelada… Foi muito engraçado vê-lo conversando com você com o chinelo na mão. Ele é um querido você verá!
Uma pena que na enfermaria a visita da noite é mais curta. Mesmo estando só nois dois no quarto nossas visitas foram embora mais cedo…
Filho, não me canso de te desejar boas vindas, daqui para frente nossa história continua…
Vou arrumar nossas coisas, é hora de irmos para casa.
Bom dia, te amo muito, meu “pacotinho”. Eu volto com mais histórias.”
Lições que aprendi…
Eu ainda não me dava conta do que estava acontecendo.
A sensação era de estar anestesiada com tudo.
O internamento, a cirurgia, o nascimento do Antonio e a presença dele aos poucos nos dias que fiquei no hospital.
A emoção pela sua chegada, o desconforto das dores, dos gases que se formam, do inchaço do pós-operatório, o acordar de tempos em tempos para tomar remédio.
Quando o efeito da anestesia passou, senti muita vontade de me coçar… Era outro efeito… O efeito colateral que ela provocava, mas tudo normalizou-se com medicação.
Acordava para alimentar-me e alimentar o Antonio, sem ainda saber direito como fazer.
Olhava para aquele serzinho, tão pequeno, que só não se quebrava porque chegava tão enrolado naquelas fraldas de flanela que mal podia se mexer.
Passei aquela noite sozinha na enfermaria pensando no futuro e pedindo a Deus que me ajudasse a cuidar bem do meu filho.
Consegui tomar banho sozinha, não senti tonturas, nem tive queda de pressão por conta da anestesia.
Sentia-me um pouco tensa, dali em diante iríamos passar por um período de adaptação em família.
Alexandre chegou pontualmente às nove horas, juntos esperamos duas longas horas para fazer o teste do pezinho e por fim, perto do meio dia, fomos para casa.
Penso que tudo o que é novo nos deixa inseguros, é natural.
Ninguém vem com manual de instrução sobre nada na vida.
Mas a vida nos oferece oportunidades diversas para o aprendizado.
Seja pelo casamento e a convivência conjugal, seja pelo nascimento de um filho, seja pela perda ou separação…
Meu marido costuma dizer que quando um filho nasce, Deus nos pega pelos pés e nos sacode de cabeça para baixo…
Tudo muda!
Mesmo que eu fosse uma estrela do cinema ou da TV, mesmo que eu tivesse uma equipe de plantão para me auxiliar, minha vida iria mudar do mesmo jeito!
Então, o que eu pedia a Deus era para que eu fosse uma boa mãe para o meu filho.
Que eu pudesse mudar o que precisasse mudar para crescer junto com ele e que eu nunca esquecesse a responsbilidade que eu recebia em minhas mãos dali para frente.
E repetirei isto muitas vezes enquanto escrevo… Por toda a vida.
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Deus te abençoe, obrigada por sua companhia.
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Pegando carona num texto de Lya Luft…
A CANÇÃO DE QUALQUER MÃE
Que nossa vida, meus filhos, tecida de encontros e desencontros, como a de todo mundo, tenha por baixo um rio de águas generosas, um entendimento acima das palavras e um afeto além dos gestos – algo que só pode nascer entre nós.
Que quando eu me aproxime, meu filho, você não se encolha nem um milímetro com medo de voltar a ser menino, você que já é um homem.
Que quando eu a olhe, minha filha, você não se sinta criticada ou avaliada, mas simplesmente adorada, como desde o primeiro instante.
Que, quando se lembrarem de sua infância, não recordem os dias difíceis (vocês nem sabiam), o trabalho cansativo, a saúde não tão boa, o casamento numa pequena ou grande crise, os nervos à flor da pele – aqueles dias em que, até hoje arrependida, dei um tapa que ainda agora dói em mim, ou disse uma palavra injusta.
Lembrem-se dos deliciosos momentos em família, das risadas, das histórias na hora de dormir, do bolo que embatumou, mas que vocês, pequenos, comeram dizendo que estava maravilhoso.
Que pensando em sua adolescência não recordem minhas distrações, minhas imperfeições e impropriedades, mas as caminhadas pela praia, o sorvete na esquina, a lição de casa na mesa de jantar, a sensação de aconchego, sentados na sala cada um com sua ocupação.
Que quando precisarem de mim, meus filhos, vocês nunca hesitem em chamar: mãe!
Seja para prender um botão de camisa, ficar com uma criança, segurar a mão, tentar fazer baixar a febre, socorrer com qualquer tipo de recurso, ou apenas escutar alguma queixa ou preocupação.
Não é preciso constrangerem-se de ser filhos querendo mãe, só porque vocês também já estão grisalhos, ou com filhos crescidos, com suas alegrias e dores, como eu tenho e tive as minhas.
Que, independendo da hora e do lugar, a gente se sinta bem pensando no outro.
Que essa consciência faça expandir-se a vida e o coração, na certeza de que aquela pessoa, seja onde for, vai saber entender; o que não entender vai absorver; e o que não absorver vai enfeitar e tornar bom.
Que quando nos afastarmos isso seja sem dilaceramento, ainda que com passageira tristeza, porque todos devem seguir seu caminho, mesmo que isso signifique alguma distância: e que todo reencontro seja de grandes abraços e boas risadas.
Esse é um tipo de amor que independe de presença e tempo.
Que quando estivermos juntos vocês encarem com algum bom humor e muita naturalidade se houver raízes grisalhas no meu cabelo, se eu começar a repetir histórias, e se tantas vezes só de olhar para vocês meus olhos se encherem de lágrimas: serão apenas de alegria porque vocês estão aí.
Que quando pareço mais cansada vocês não tenham receio de que eu precise de mais ajuda do que vocês podem me dar: provavelmente não precisarei de mais apoio do que do seu carinho, da sua atenção natural e jamais forçada.
E, se precisar de mais que isso, não se culpem se por vezes for difícil, ou trabalhoso ou tedioso, se lhes causar susto ou dor: as coisas são assim.
Que, se um dia eu começar a me confundir, esse eventual efeito de um longo tempo de vida não os assuste: tentem entrar no meu novo mundo, sem drama nem culpa, mesmo quando se impacientarem. Toda a transformação do nascimento à morte é um dom da natureza, e uma forma de crescimento.
Que em qualquer momento, meus filhos, sendo eu qualquer mãe, de qualquer raça, credo, idade ou instrução, vocês possam perceber em mim, ainda que numa cintilação breve, a inapagável sensação de quando vocês foram colocados pela primeira vez nos meus braços: misto de susto, plenitude e ternura, maior e mais importante do que todas as glórias da arte e da ciência, mais sério do que as tentativas dos filósofos de explicar os enigmas da existência.
A sensação que vinha do seu cheiro, da sua pele, de seu rostinho, e da consciência de que ali havia, a partir de mim e desse amor, uma nova pessoa, com seu destino e sua vida, nesta bela e complicada terra.
E assim sendo, meus filhos, vocês terão sempre me dado muito mais do que esperei ou mereci ou imaginei ter.
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