Só se sente solitário quem não é solidário (Divaldo Franco)
Queridos leitores, hoje minha manhã esteve cheia de imprevistos, por conta disto não consegui postar mais cedo…
Mas vamos ao Diário…
Conversando com meu filho…
“Estamos no dia 30 de março de 2002.
Filho, a semana que passou nos fez viver uma experiência inusitada.
Na terça-feira, dia 26, nós estávamos em casa e você tinha acabado de dormir quando ouvi uns gritos e o bater de portas.
Naquele momento pensei que era brincadeira de criança porque tem muitas aqui no prédio e, como sei que em qualquer lugar elas são barulhentas quando estão juntas, nem liguei.
Fui até a cozinha beber água e, de novo, ouvi gritos e portas batendo.
Fiquei curiosa com o barulho e resolvi dar uma olhada para saber o que se passava.
Filho, quando cheguei na sacada entendi o porquê do barulho: o apartamento ao lado do nosso estava pegando fogo. *
O barulho das portas e gritos era porque as pessoas corriam para livrarem-se do perigo do incêndio!
Quando abri a porta do nosso apartamento, uma fumaça preta começou a entrar dentro de casa.
Corri para o quarto onde você dormia, te peguei no colo, fechei a porta da sala e comecei a abrir todas as janelas
Voltei para a sacada com você nos braços para entender realmente o que acontecia e pedia socorro, pelo amor de Deus!
Lá embaixo as pessoas, desesperadas ao nos ver, pediam para que eu descesse pelas escadas e gritavam: ”- Desce daí, desce!”
De novo corri até a porta e tentei sair do apartamento… Filho, dei dois passos com você no colo e tudo o que vi foi uma escuridão e o que senti foi uma onda de calor enorme.
Por causa da fumaça eu já nem via mais a porta do nosso apartamento…
Tateei a parede e voltei para dentro de casa.
Fechei a porta, corri para a sacada e fechei a porta de vidro que a separava da sala e ali fiquei olhando o pessoal lá embaixo que gritava para eu ter calma, para eu não me desesperar porque os bombeiros já estavam a caminho.
Olhei para você e vê-lo dormir nos meus braços dava-me a sensação mórbida que não respirava, o que aumentava minha tensão.
Suas narinas estavam pretinhas e nós dois estávamos cinza.
Na tentativa de sair do apartamento, no corredor, respiramos muita fumaça e fuligem.
Eu encostava meu ouvido, meu rosto, o que fosse perto do seu nariz para senti-lo respirar…
Você apenas dormia e parecia que estava desmaiado…
Ai, filho, que desespero!
Eu caminhava de um lado para outro na sacada pedindo a Deus que os bombeiros chegassem logo!
Nosso apartamento ficava no sexto andar, era o último.
Ouvi gritos acima das nossas cabeças e eram três homens que haviam subido na laje e pediam para que eu tivesse calma.
Um deles disse-me que se precisasse ele pularia na sacada para nos socorrer, um outro jogou-nos uma camiseta molhada para que pudéssemos umedecer nosso rosto e colocar no nariz para respirarmos melhor.
Passei várias vezes aquela camiseta no seu rostinho, no seu nariz e você continuava sonolento.
Mesmo em meio a esta agitação toda, ainda consegui gritar para os que estavam lá embaixo para ligar para o seu pai e um senhor conseguiu avisá-lo.
Olhava para baixo nervosa até que vi os bombeiros chegarem e dar início ao resgate.
Colocaram máscaras, vestiram roupas especiais e entraram no prédio.
Os três homens na laje coversavam comigo o tempo todo até que um bombeiro gritou lá debaixo e avisou que os outros bombeiros já estavam dentro do apartamento do lado controlando o incêndio.
Vi seu pai chegar e também gritava pedindo para eu ter calma, que tudo acabaria bem.
Em seguida, os bombeiros entraram em casa, graças a Deus!
Um deles te pegou no colo, te colocou uma máscara, correu escada abaixo e eu grudada atrás.
Os seis andares pareciam 106.
A escada manteve-se isolada da fumaça e assim foi possível chegarmos sãos e salvos no térreo.
Seu pai nos esperava, todos queriam saber como estávamos.
Nunca esquecerei de vê-lo no meu colo com sua carinha suja, suas narinas pretas da fumaça e da fuligem.
Ouvir o seu choro naquele tumulto foi um alívio e depois que te levamos para o pronto socorro tivemos a certeza de que tudo estava bem.
Deus te abençoe e te dê longa vida, meu filho. Foi um grande susto, uma experiência para nunca mais esquecer.”
Lições que aprendi…
Nosso apartamento ficou preto de fuligem e foi preciso desocupá-lo para que uma nova pintura e pequenos reparos fossem feitos nele.
O incêndio foi provocado pelo curto-circuito de um video-game.
Nosso vizinho, um garoto de 13 anos, estava sozinho em casa quando deixou o brinquedo numa banqueta de plástico. Pelo que nos contaram ali se deu o curto-circuito que queimou a banqueta, alastrou-se pelas cortinas e pelo resto do apartamento.
Os gritos e as batidas de portas eram do garoto, que sabendo de mim e do Antonio no apartamento do lado tentou nos avisar para nos salvar.
Como ele não teve resposta e a fumaça começou a se alastrar, precisou sair do prédio, desceu escada abaixo, correu para o estacionamento que não era subterrâneo e dava para a janela da minha sala de TV, onde eu estava descansando com o Antonio, e ainda assim gritou de lá tentando nos avisar.
Quando é que eu poderia imaginar que era sério? Imaginem o desespero deste garoto que tentava nos avisar e sabia que mãe e filho poderiam ficar presos lá em cima?
Passado o susto, fomos ver os estragos e procurar um outro lugar para nos acomodar.
No condomínio havia alguns apartamentos desocupados.
O proprietário gentilmente nos cedeu um deles para que minha família e eu pudéssemos ficar.
Recebemos algumas visitas dos moradores, apoio, mantimentos e o que precisássemos naquele momento em solidariedade ao transtorno que havíamos passado.
Aprendi desde sempre que Deus entra em nossas vidas de muitas formas e eu via e sentia a Sua presença em cada mão estendida para nos ajudar.
Existe um amor maior regendo nossa existência poupando-nos de maiores dissabores, materiais ou emocionais.
Deus fala conosco através de outras pessoas e Ele nos mostrou isto naqueles dias.
Até hoje guardo comigo a receita de uma sobremesa deliciosa que ganhamos de uma moradora, a Rita do 604, A.
Uma doce lembrança do carinho que recebemos, do apoio que não nos faltou e do verdadeiro sentido e sabor da palavra solidariedade.
Peço a Deus que os abençoe pelo resto de suas vidas.
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*Este incêndio aconteceu no bairro Cabral, no condomínio Quintas do Cabral que fica na Rua Coronel Amazonas Marcondes – Curitiba-PR.
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