Férias exigem muita criatividade dos pais, sejam pais de crianças autistas ou neurotípicas. Não é incomum ouvir mães e pais dizendo: “eu não tenho mais o que inventar!”. Mas, calma.... O que não faltam são ideias criativas, divertidas e econômicas de atividades para as férias. É por isso que estamos em uma série de postagens que vão ajudá-los a se preparar para enfrentar dezembro e janeiro. As postagens começaram no dia 26/11, com novas ideias toda terça-feira e que englobarão atividades de DIY, atividades de quintal/parque e passeios em Curitiba. Espero que gostem! A atividade de hoje é “visita à casa do Papai Noel”.
Todos os anos os shoppings fazem belas decorações de Natal, não medindo esforços na competição pela atenção dos consumidores, e cada um conta com a ilustre presença de seu “Papai Noel”. Pais e mães correm para levar seus filhos para verem o “bom velhinho” e escreverem suas cartinhas. Essa visita pode ser ótima para crianças com autismo, porém, algumas preparações podem (e devem) ser feitas para tornar essa ocasião mais interessante, proveitosa e divertida. Vou passar um passo-a-passo para programar suas visitas.
Passo 1: Veja quais as atividades disponíveis no shopping que você vai visitar. Não basta apenas pensar que é “a visita ao Papai Noel”, pois isso pode parecer bastante sem sentido para algumas crianças. Por exemplo, no shopping Jockey Plaza, de Curitiba, o espaço preparado para o Natal conta com um escorregador, um brinquedo de balanço (onde os balanços são cavalinhos), um carrossel, um trem, local para fazer as cartinhas e a cadeira do Papai Noel. Assim, é muito mais interessante dizer que a criança “vai brincar um pouco no escorregador, no balanço, no carrossel e então vai ver o Papai Noel” em vez de simplesmente dizer “vamos ver o Papai Noel”. A criança deve ser preparada não só para momentos difíceis, mas para momentos bons também! A euforia demasiada pela surpresa pode desencadear uma desorganização na criança, fazendo a experiência não ser tão positiva para ela. Para conseguir essas informações, você pode ligar para o shopping antes, ou ir ao local e tirar fotos para mostrar à criança (melhor ainda, se tiver como fazer isso). Evite horários de pico e cheque os horários em que o Papai Noel estará no local. Em resumo, nada de surpresas!
Passo 2: Defina não só o que vai ser feito, como também o que não vai ser feito. Shoppings normalmente têm centros de diversão fixos para as crianças. Vamos supor que a ideia seja, numa mesma visita ao shopping, ir à casa do Papai Noel, mas não a um centro de diversão que a criança já está acostumada a ir. Ela deve ser avisada não só do que vai ser feito, mas também do que não vai ser feito. E aí, gente... MAPA DO SHOPPING NA CABEÇA! Se você não quer que seu filho fique frustrado por não ir a um determinado local, você não precisa passar justamente em frente ao tal local, onde ele vai ver outras crianças brincando no brinquedo que você disse que ele não irá hoje. Frustração tem que ser objeto de trabalho com a criança autista, mas isso exige preparação, orientação, e não simplesmente a lei do “você deve lidar com isso”.
Vou dar um exemplo: no shopping Jockey Plaza, que mencionei acima, há um brinquedo que minhas filhas adoram. Eu combinei com elas que nós iríamos ver os brinquedos do Papai Noel e depois fazer um lanche, mas que não iríamos no brinquedo (que já é fixo) do shopping. Elas foram duas princesinhas, lindas! Foram na casa do Papai Noel, brincaram nos brinquedos do Papai Noel e comemos um lanche. Depois, estávamos indo para casa e resolvi comprar um cookie para a minha mãe. Esquecemos que esse cookie ficava bem ao lado do tal brinquedo fixo que há lá no shopping. Elas viram o brinquedo e, quando viram outras crianças no brinquedo, as duas começaram a insistir para ir. Normal! São crianças. Isso gerou desorganização desnecessária na Gabriela.
Não acho que devemos impedir a criança de se frustrar, mas devemos mensurar as frustrações. Ninguém gosta de ver algo que quer muito e não ter, então, no meu entendimento, esse tipo de exposição deve ser muito bem pensada. Se você sabe que seu filho vai se frustrar com algo (e as vezes dá para saber previamente) deve estar muito preparado para lidar com isso: paciência, reforçadores, e orientação terapêutica. Não devemos fazer o mundo de nossos filhos girar em torno do autismo, mas também não podemos esquecer o que o autismo é, e tentar ter empatia pela maneira de nossos pequenos pensarem.
Passo 3: Se pretende que seu filho escreva uma carta para o Papai Noel, você deve prepará-lo para isso. Noto que muitas vezes essa não é uma atividade motivadora para crianças. Então, antes de ir ao local, avise que haverá o momento de escrever a carta e qual será esse momento. Perguntas muito genéricas podem deixar algumas crianças estressadas. Houve uma época em que eu restringia, com perguntas acompanhadas de opções de resposta, como, por exemplo: “O Papai Noel quer saber: você quer uma bola ou um carrinho?” Para crianças que não são alfabetizadas, a utilização do desenho é uma boa ferramenta. Você também pode levar uma carta com desenhos impressos e pedir para a criança marcar um “x” no que ela quer.
Para crianças alfabetizadas, é um bom momento para auxiliar a desenvolver a escrita textual. Por exemplo, esse ano, na primeira carta que a Gabriela fez, deixamos o direcionamento mais livre e ela escreveu “Papai Noel, quero balas e um presente de natal”. É muito fofo como ela é direta ao ponto. Mas, na segunda, aproveitei para trabalhar um pouco mais com ela. Quando questionei o que ela queria, ela disse que queria um relógio, e eu a lembrei de que ela não gosta de usar relógio no pulso. Então, perguntei se ela queria um relógio de carregar, ao que ela respondeu que sim. Mas, eu conheço a Gabi e sei que esse seria um presente que ela usaria durante uns 20 minutos, no máximo.
Então, comecei a dar ideias de presentes, perguntando se ela preferia “um relógio ou uma boneca?”. Ela permaneceu optando pelo relógio. Depois de algumas sugestões, eu falei “Um relógio ou uma barraca?” Ela parou, pensou e respondeu “uma barraca”. Perguntei de novo e ela manteve a resposta. Aí comecei a perguntar se ela queria uma barraca ou “tal coisa”: “Você quer uma barraca ou uma bola? Uma barraca ou uma bicicleta? Uma barraca ou uma LOL?”. Quando vi que ela permaneceu optando pela barraca após algumas perguntas, percebi que ela realmente tinha escolhido o presente que queria. Sempre que pudermos, devemos dar a eles a possibilidade de escolher, mas devemos ajudá-los a desenvolver essa escolha.
Muitas pessoas com autismo não gostam de perguntas e, por isso, muitas respondem qualquer coisa, simplesmente para pararem de perguntar. É preciso reconhecer quando é uma resposta para se livrar da pergunta ou uma resposta real. Para isso, é preciso sensibilidade e paciência. Ainda temos que ter cuidado para não forçar! Se a criança está se irritando com as perguntas, melhor parar e retomar o assunto depois. Escolhido o presente, reforce todo dia o pedido para o Papai Noel, sempre dizendo o que a criança pediu e não mais perguntando o que ela quer. Isso vale para qualquer criança do mundo. Essa dica é para não correrem o risco de, no dia 24 de dezembro, terem que sair correndo atrás de um presente completamente diferente, porque você teve a brilhante ideia de perguntar “o que o Papai Noel vai trazer mesmo?”. Não cometam o meu erro de 2017.
Com o presente escolhido, voltando à cartinha, para aqueles alfabetizados, você pode dar uma demanda que leve a um pouco de superação. Na segunda carta da Gabi, eu a ajudei a escrever algo mais elaborado. Utilizei intervenções como: “Para quem é essa carta?... Ah, então você deve começar escrevendo ‘Papai Noel’”; “Você vai pedir a barraca. Não escreva só “barraca” escreva ‘Eu quero...’ ou ‘Meu pedido é...’ ou ‘Quero pedir uma...’” (sempre dou mais opções de como ela pode escrever para não ficar muito restritiva na forma de falar); “Por que não escreve que se comportou esse ano...?”. A demanda depende de cada criança e isso é algo que a gente vai sentindo até onde pode e deve ir.
Passo 4: Não force a criança a tirar foto com o Papai Noel. Bem ou mal, se deixarmos a mágica de lado, o Papai Noel é um senhor de idade que a criança não conhece realmente e que está ali pedindo para que ela vá perto, sente-se no colo dele e conte o que ela quer ganhar de Natal. Logo, a criança tem todo o direito de não se sentir à vontade. Ela não conhece realmente aquela pessoa, aquela pessoa não está com ela todos os dias, logo, o Papai Noel pode, sim, dar medo! Temos que respeitar. Forçar só piora. Com relação à foto, eu sei que às vezes é difícil que a criança autista olhe em direção à câmera. Com muitas crianças, o que funciona é a selfie. Isso porque, na selfie, ela se vê na tela do celular (usando a câmera frontal), e fica mais óbvio como agir para a câmera. Selfies salvaram minhas fotos com a Gabi. E uma selfie com o Papai Noel é super mais pop que uma foto comum!
Passo 5. Leve um laudo do seu filho que informe que ele tem autismo e, se necessário, peça para que ele seja atendido preferencialmente pelo Papai Noel. E aqui entramos em alguns aspectos complicados: há mães de crianças autistas que sofreram pressão de pais de crianças não autistas que as acusaram de furar fila. Uma opção fácil é ir com uma camiseta de militância da causa autista (há várias à venda na internet, ou você pode mandar fazer), pois isso ajuda muito as demais pessoas a respeitarem. Contudo, há pais que não gostam de usar tais camisetas ou de vesti-las em seus filhos. Nesse caso, recomendo que expliquem para as pessoas “olha, meu filho tem autismo e tem direito à fila preferencial”. Se tudo isso não funcionar, tente abstrair, afinal, você está certo em pedir a fila preferencial e, se a pessoa não entende, o problema é com ela e não com você. Meu método é armar barraco, gritando artigos de lei e fazendo todo mundo olhar para o que está acontecendo. E minhas filhas me conhecem tanto que elas nem ligam de eu armar barraco... (o que, pensando bem, não é lá uma coisa boa). Mas, se possível, tenha mais classe que eu... Ou não tenha. Porque é um absurdo alguém não entender que uma criança autista tem preferência. Já estou me irritando só de pensar!
Quando a fila não está grande e vejo que a Gabriela consegue ficar sem se desorganizar, eu fico com ela na fila até para ela treinar a espera. Mas isso deve ser uma coisa feita com muito carinho e cuidado. Deixar uma criança autista em uma longa fila pode ser torturante para ela. Eu lanço mão do bom senso, do conhecimento que tenho do assunto e de como minha filha está naquele dia e de como está em seu processo de aprendizagem. É preciso desenvolver situações em que seu filho esteja exposto à necessidade de esperar, mas fazê-lo com carinho, cautela e respeitando o momento de desenvolvimento da criança. Dica final: Procure locais de visitação que explorem questões sensoriais. O shopping que eu citei aqui nos exemplos foi proposital. Escolhi citar esse shopping porque os brinquedos dispostos (carrossel, balança, trem) são superlegais para trabalhar os sentidos proceptivo e vestibular. Tente fazer com que a visita seja também uma experimentação sensorial. Auxilie a criança a perceber diferentes texturas dos enfeites, mostre as luzes, auxilie-a a utilizar de brinquedos que tenham movimento. E registre o máximo possível. Cada Natal é único, e eu tenho certeza que esse vai ser especial para todos nós! Feliz Natal e bom passeio!