Quando Gabriela foi diagnosticada, eu sentia de fato a diferença entre ela e as demais crianças a sua volta. O tempo foi passando e ela foi evoluindo muito, e respondendo aos tratamentos. Mas, ao mesmo tempo, embora sua evolução tenha sido imensa, o autismo ficou mais evidente na medida em que mais nítida e perceptível a diferença dela para as crianças a sua volta. Dei-me conta da cruel dicotomia: mais tempo de tratamento, maiores serão as evoluções; mais tempo de diagnóstico, e os sintomas que ainda não foram superados se tornarão mais evidentes, mas claros. O tempo é meu amigo e inimigo pessoal.
O tempo corre para a Gabriela e eu corro contra ele e com ele. Divido meu coração em uma bipolaridade de torcer para o passar do tempo, e assim o acumular de conceitos aprendidos pelo tratamento e, ao mesmo tempo, na vontade de parar o tempo para conseguir ter assim mais tempo de trabalhar os sintomas que ainda não foram superados. O tempo leva e traz dificuldades em todos os sentidos. O amor de mãe levanta caminhões, luta contra jacarés, supera qualquer obstáculo. Mas será que amor de mãe consegue parar e, ao mesmo tempo, acelerar o tempo? É como diz a música que ecoa em minha mente pela voz de Maria Bethânia: “És um senhor tão bonito/ Quanto a cara do meu filho/ Tempo, tempo, tempo, tempo, Vou te fazer um pedido…”
Minhas ansiedades pessoais e meu medo me paralisaram e me moveram, nessa jornada pelo tempo – jornada essa que promete demorar muito tempo. Eu e o tempo. Um caso de amor, um caso de ódio. O tempo é o melhor amigo e o maior inimigo do meu maior amor, que é minha filha. E sempre disseram os médicos que não dá para saber exatamente o quanto será o desenvolvimento dela, apenas o tempo dirá. E o tempo passa para Gabriela, que ainda tem só cinco aninhos, e por vezes eu tenho medo e ansiedade de conhecer esse final da história. “Tempo, tempo, tempo, tempo/ Compositor de destinos”.
E o tempo passa para nós, não só para nossos pequenos. E o tempo ensina, acalma. Com o tempo, nos acostumamos às incertezas, e não nos preocupamos mais se “vai fazer faculdade?”, se “vai casar?”, “se vai…”, “se vai…” – afinal a ansiedade vai, se vai. Aos poucos, o tempo me traz uma calma e me explica que não preciso esperar para saber o que vai acontecer, porque eu sei o que vai acontecer: minha filha vai ser feliz. Como e de que forma, eu não sei. Mas ela vai. E eu oscilo entre aquele tempo da incerteza e esse tempo da certeza, aquele tempo do medo e esse tempo da calma. E me renasço e me descubro num tempo onde tento colocar num único compasso o meu tempo e o tempo da Gabriela. “Tempo, tempo, tempo, tempo/ Ouve bem o que eu te digo”.
E, segurando a velinha de seis anos em minhas mãos, penso em quão pequena ela é, e quanto tempo tem pela frente. Mas, ao mesmo tempo, lembro-me de mim grávida, morrendo de medo de não saber o que fazer. Parece ontem, mas faz tanto tempo. Entrelaçados nossos tempos, como um presente misterioso. Agradeço à vida por todo tempo que tenho com ela. “Tempo, tempo, tempo, tempo/É um dos Deuses mais lindos”.
“Feliz aniversário”, digo enquanto ela apaga as velinhas, instaurando um novo tempo. Que venham os próximos anos.
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