É natural que, quando você é pai ou mãe de criança autista, fique atento a pessoas adultas autistas, na tentativa de desvendar um futuro que apenas o tempo revelará. Ver uma pessoa com autismo que desenvolveu sua independência, criou asas e partiu para o mundo é incrível e motivador.
O Diário de Autista me trouxe muitas coisas boas, e uma das mais gratas surpresas foi encontrar o André Luiz Pinheiro. Começamos a falar porque ele é Autista, e meu interesse e curiosidade se atiçaram ao saber que ele é pedagogo. André atua como auxiliar administrativo na Secretaria de Educação da Prefeitura de Santo André, fez pós-graduação em Educação Infantil, Gestão e Auditoria e (rufem os tambores!) Educação Inclusiva.
Ouvir que uma pessoa com autismo tem uma vida normal é sempre motivador, mas, como autistas tendem a ultrapassar os conceitos de normalidade, André, sem fugir à regra, se traduz também por um lado artístico, demonstrando-se multifatorial em suas habilidades. E agora, segurem o fôlego: ele é escritor e palhaço.
André é autor do livro “O Mistério do Palhaço Azul” (autobiografia em que trata de suas alegrias, decepções, barreiras, surpresas e muito mais). Recentemente, lançou seu segundo livro: “Vinny Hotter e o Mistério das Sete Pedras” (Clube dos Autores). Já seu clown é o Palhaço Xiririca, que atua em projetos sociais. Eu já estava achando isso demais, mas quando descobri que ele tem uma webradio (www.radioxiririca.com.br) e um canal no YouTube (TheANDRELUIZ123)…. Uau! Haja fôlego e força de vontade!
Entrevistar o André foi um prazer e um aprendizado. Autistas podem muito, muito, muito… e muito! Autismo não sentencia nem define ninguém, e André é uma destas provas. Espero que gostem da entrevista.
Hanna: Como você foi diagnosticado autista?
André: Tive um diagnóstico tardio de Autismo, na fase adulta, apenas em 2013, aos 40 anos. Apresento as características do Autismo desde a infância, mas, antes disso, nenhum dos profissionais que me atenderam comentou comigo e meus pais sobre a possibilidade de eu ser autista. Minha condição já foi confundida com timidez excessiva, depressão, hiperatividade e superdotação. Meu tipo de autismo só foi catalogado no DSM (Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais) em 1994, quando eu já era um adolescente.
Após uma procura pelo diagnóstico, várias consultas, exames, descobri que as características que apresentava eram o Autismo (Transtorno do Espectro Autista), fiz um questionário na internet e confirmou, porém, procurei ajuda, como orientava o questionário. Na primeira consulta com a especialista, não foi possível fechar o diagnóstico, somente numa segunda opinião é que foi fechado o diagnóstico, e então comecei a realizar a psicoterapia, agora com um Laudo. Foi um grande alívio saber o que eu tinha, quem realmente eu era, e o motivo do que vivi e o que sentia.
Hanna: Como isso interferiu no seu crescimento, na sua vida?
André: Até os três anos, tive apenas atraso na fala e, depois de uma convulsão, comecei a apresentar sinais de autismo, como movimentos repetitivos e estereotipados, porém, já via gravuras dos livros muito cedo. Gostava de Ciência muito cedo. Era fascinado por dinossauros, colecionava até um álbum de figurinhas. Comecei a apresentar dificuldades de aprendizagem na escola, e também no comportamento. Na adolescência ficou complicado, as pessoas não compreendiam a fascinação por assuntos específicos, um foco exagerado, como Castelos, Dinossauros, e acabavam por se afastarem ou eu me afastava delas. Ficava isolado, focado no meu assunto.
Hanna: Cursar uma faculdade sendo autista, em sua opinião, foi mais difícil?
André: Foi muito difícil cursar uma Faculdade, pois naquela época só existia presencial, a interação social era necessária para trabalhos em grupo, apresentar trabalhos, tanto que só fiz um semestre e tranquei a matrícula, retornando um ano após.
Fui aprendendo com a observação, como me comportar e o momento certo de falar, mais ouvia do que falava, prcourava saber quais eram os assuntos que os colegas falavam, ora ia num grupo, ora em outro, estudava bastante, me dedicava bastante. Trabalhava durante o dia e estudava à noite, era cansativo, muitos trabalhos, provas, leituras.
Difícilmente me oferecia para falar sobre algum assunto, só quando não tinha escolha, apresentava uma dificuldade enorme para me expressar. Distraía constantemente e ficava viajando no meu mundo, principlamente com temas longos, depois tinha que pesquisar o assunto para recuperar o que havia perdido.
Quando não era um assunto específico, tinha grande dificuldade para me concentrar. Com o tempo, fui entendo a necessidade daquela matéria também, entendendo o que ela dizia, o porquê era importante. Então, trabalhava a concentraçaão e dedicação, mas isto depois de notas baixas.
Era um excelente aluno, porém precisava interligar a disciplina com o meu assunto específico. Descobri isso sozinho, sem ajuda de profissionais.
Hanna: Hoje discutimos muito sobre inclusão. Como pedagogo e autista, qual a sua visão sobre o assunto?
André: A verdadeira Inclusão deve ser toda voltada para a pessoa com deficiência e não ao contrário, a pessoa com deficiência que necessita se adequar à escola, ao espaço. É importante oferecer as tecnologias assistivas – mas é importante não só integrar a pessoa com deficiência, mas incluí-la de fato. As pessoas precisam ser preparadas para a inclusão. Os alunos, os professores e toda a sociedade.
Hanna: Você acha que vê o mundo diferente de outras pessoas ditas “típicas”?
André: Vejo o mundo diferente das pessoas ditas “neurotípicas” ou típicas. O meu mundo imaginário na minha mente é fascinante, onde o ser humano é valorizado, um ambiente agradável, com tecnologias avançadas (mas valorizando o ser humano), respeitando para ser respeitado, com união e paz.
Hanna: Quem são seus ídolos?
André: Palhaços como Arrelia, Carequinha, Patati Patata, a escritora do Harry Potter – J. K. Rowling, o seriado Chaves.
Hanna: O que gostaria de dizer para crianças autistas?
André: Não importam as dificuldades, a perseverança é nossa melhor amiga, insistir sempre e desistir jamais, não desista dos seus sonhos, jamais!
Hanna: Alguma mensagem que gostaria de deixar para nossos leitores?
André: Procure descobrir o que a criança mais gosta e incentive-a naquilo com muita perseverança e não no que achamos que é melhor para ela sem consultá-la.
Buscar o diagnóstico é muito importante para que os profissionais possam trabalhar em equipe multidisciplinar e assim o desenvolvimento dela será muito mais rápido.
Hanna: Você tem um livro chamado “O Mistério do Palhaço Azul”. Como foi isso, a ideia de fazer um livro?
André: Após o meu diagnóstico, primeiramente caiu o chão, posteriormente voltei ao passado. O intuito foi de ajudar a divulgar a importância da descoberta do diagnóstico de autismo, apresentando os mistérios do autismo e da vida, através da autobiografia. Como foi a infância, a adolescência, a fase adulta, o trabalho social e a relação do trabalho voluntário como Palhaço. Como é para um autista lidar com essa profissão?
Hanna: Como foi seu processo criativo?
André: A minha mente trabalha com imagens, como se fosse uma tela grande de cinema, ali foi mostrada toda a minha vida, comecei a transportar as imagens da mente para a escrita, percebi que escrevo rápido, como leio muito e desde os três anos já me interessava por figuras, utilizei essas técnicas para escrever um livro, escrevi com prazer, sentindo-me muito feliz, fazendo algo que gosto.
Hanna: Qual a mensagem que procurou passar com o seu livro?
André: O segredo da vida, pois sabia que tinha algo diferente, mas não sabia o que era. Jamais imaginei que eu era um autista, que estou dentro do Espectro Autista. E, com isso, explicou muita coisa, entendi muita coisa, a importância do diagnóstico, o autoconhecimento, conhecer a ti mesmo. O segredo de viver e amar.
Hanna: Como funciona a parte de relacionamento amoroso para pessoas com autismo? Namorar, noivar, casar… Claro que cada um é de uma forma… Mas, como foi para você isso?
Devido à variedade de características que os autistas podem apresentar, cada pessoa autista age de um jeito, é única.
Eu sempre tive dificuldade de olhar nos olhos, o meu olhar vai em direção do rosto, não consigo olhar dentro dos olhos, me esforço muito, mas não consigo. E sempre tive dificuldade de entender alguns sinais, como uma piscada, chamadas de comunicação não verbal, não entendia as expressões nos rostos, isso dificulta muito descobrir o interesse da outra pessoa por mim.
Por diversas vezes, meus pais ou pessoas que estavam comigo me alertaram sobre os sinais que algumas garotas estavam passando, mas eu não os vi.
Eu já namorei e por pouco tempo, nunca noivei e não casei. Não percebi nenhum problema ou diferença no namoro. No relacionamento amoroso para pessoas com autismo, depende muito de ambos se conhecerem, eu, por exemplo, não escondo que sou uma pessoa com autismo, e fica mais fácil para a outra pessoa saber as minhas características.
Normalmente eu cumprimento, tenho esse hábito, mas pode acontecer de falhar, de um dia não cumprimentar, ou talvez ser até um pouco frio em um determinado momento, não passar sentimento, emoções, isso é importante saber para não gerar conflitos na relação. A relação amorosa tem toda uma complexidade, tanto nos neurotípicos (pessoas que não possuem autismo – TEA Transtorno do Espectro Autista), como para os autistas. Nós, autistas, temos muitas vezes um amor “Platônico”, criamos fantasias, ficamos totalmente voltados para essa fantasia, como exemplo, aconteceu comigo na infância, imaginava uma pessoa como uma princesa, imaginava tudo perfeito.
O autista imagina as pessoas de forma perfeita, que não há erros. É importante para os pais observarem. Não interferirem no namoro dos filhos, mas observarem para que o autista não sofra uma decepção. Justamente por imaginar a moça como uma princesa, perfeita, nós temos algumas dicas, como, primeiro: entender melhor a/o sua/seu namorada (o), segunda dica: conhecer melhor sobre o autismo ajuda bastante na relação amorosa, entender melhor a comunicação, por exemplo, falando de forma direta, preparar sempre, antecipar acontecimentos, avisar com antecedência, é melhor.
Alguns autistas não gostam de ser tocados, por isso, é importante conversar e criar vínculos físicos entre vocês. Isso acontece também na relação neurotípica, aceitar o comportamento repetitivo, ou seja, algumas pessoas autistas têm rotinas que fazem com que se sintam melhor, quando essas são rompidas bruscamente, os autistas podem sentir-se irritados, ansiosos. Ser compreensivo com a rotina que a sua namorada ou seu namorado segue, para que ele se sinta melhor, faça o possível para evitar quebrá-las, perguntar sobre a necessidade dela ou dele, o que está passando no momento. Lembrando que pessoas autistas expressam de modo diferente as emoções, mas têm sim emoções e sentimentos. Ter iniciativas, pois às vezes você espera uma atitude ou reação do outro e isso não acontece. Conversar com ele, o diálogo é importante em qualquer relação.
O livro “o Mistério do Palhaço Azul” está disponível em PerSe (uma plataforma online: http://www.perse.com.br/novoprojetoperse/home.aspx). Grande abraço, e logo vem mais publicação por aí!
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS