Há algum tempo, a Ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, proferiu a seguinte declaração quando tratava sobre a defesa do ensino domiciliar: "Pais de crianças com deficiência e autismo gostariam de educar filhos em casa". Na época eu não dei muita bola, mas, vendo que o debate permanece mesmo cerca de quatro meses após a declaração, optei por abordar aqui o assunto.
A inclusão escolar está longe de ser uma realidade brasileira, isto é fato. Não estou dizendo que não existem escolas inclusivas, mas sim que essa não é a regra. Diante da grande dificuldade que pais de crianças autistas enfrentam para conseguir uma situação escolar digna para seus filhos, surge o dilema: se é para ir para uma escola não inclusiva, não seria melhor ter ensino em casa?
Esse é um pensamento válido, natural e até decorrência de uma estrutura lógica de encarar a sociedade em que vivemos nesse momento. Todavia, o que particularmente me incomoda é o ensino brasileiro ser tão pouco inclusivo a ponto de levar pais, que desejam inicialmente que seus filhos fossem matriculados em ensino regular, a começarem a semear o desejo de ver seus filhos em casa.
Uma coisa é ser adepto do ensino domiciliar por acreditar que essa é a melhor forma de dar educação a seu filho; outra coisa bem diferente é ser adepto do ensino domiciliar porque não temos uma inclusão adequada. E é justamente nesse aspecto que as palavras da ministra me incomodam.
Particularmente eu acredito que o Governo (Municipal, Estadual e Federal) deve tomar medidas públicas para incentivar a inclusão. Dizer que muitos pais preferem que seus filhos autistas sejam educados em casa para não serem expostos, é conhecer a falibilidade do sistema de inclusão, sem tomar medidas para melhorar a inclusão no país.
Eu convivo com muitos pais e mães de crianças com autismo, e sei que boa parte deles preferia que seus filhos não fossem à escola por medo de que a deficiência do sistema de inclusão possa tornar a experiência escolar tortuosa. Porém, a saída para este caso não seria medidas governamentais para manter os filhos em casa, mas medidas governamentais para aprovar a inclusão.
Uma legislação que autoriza o estudo domiciliar jamais pode ser uma forma paliativa de lidar com um sistema de inclusão praticamente falido. A inclusão escolar é possível, e existem escolas que têm desempenhado maravilhosamente seu papel. Precisamos de medidas públicas que incentivem a escola PARA TODOS.
Outro aspecto que me incomodou na fala é que eu não sinto legitimidade na Damares para que ela fale em nome de todos os pais e mães de crianças com autismo. Acredito que a ministra precisa ouvir e se aprofundar no tema se deseja ser uma porta-voz dos Direitos das Pessoas com Autismo (e torcemos para que o faça, porque a luta por um Brasil melhor para as pessoas com autismo não dispensa nenhum interessado, seja ele de direita ou esquerda, homem ou mulher, religioso ou ateu).
Em 11 de abril deste ano, o Presidente Jair Bolsonaro assinou lei que regula a educação domiciliar de crianças e adolescentes, prática conhecida como homeschooling. A referida medida provisória, apesar de ter validade imediata, precisa ser aprovada pelo Congresso em até 120 dias. Particularmente, eu sou contra a tal aprovação, sendo que o principal aspecto a me preocupar seria a fiscalização sobre casos de abusos ou negligências para casos de crianças em regime de estudo domiciliar (em uma apertada síntese). E você? O que pensa do assunto?
Quer sugerir um tema ou contar sua história? Quer partilhar como é ser autista ou sua vivência como pai/mãe de uma criança/adolescente com autismo? Vou adorar ouvir você! (contato@baptistaenascimento.com.br)
Hanna Baptista – redatora do Diário de Autista, advogada, e mãe de uma linda criança autista.
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