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 Já não é novidade aqui no blog a notícia de que planos de saúde têm o dever de custear as terapias necessárias para crianças com transtornos globais de desenvolvimento (o que inclui autismo), na medida em que não se pode excluir tratamento essencial para doença coberta em contrato. Resumindo de forma absolutamente breve o tema já tratado: é entendimento firmado pelo STJ e demais tribunais pátrios que, se a patologia goza de cobertura contratual, não pode ser limitado o acesso a seu tratamento.

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Também já não é novidade que, mesmo com conhecimento deste dever, planos de saúde, na maioria das vezes, insistem em negar terapias necessárias para crianças deficientes, alegando não estarem presentes no rol da ANS. Muitas vezes, os planos de saúde substituem a terapia solicitada pelo médico por outra. Por exemplo, ao invés de liberar a aplicação de terapia ABA, o plano realiza a liberação de número limitado de sessões de psicoterapia ambulatorial sem especificação de método. Isto, evidentemente, não pode ser admitido, uma vez que a substituição de procedimentos influencia de forma consistente no diagnóstico da criança. Essa realidade tem levado muitos pais a procurar o Judiciário em busca de seus direitos.

Na busca pelo Judiciário ocorre, de forma geral, o que chamamos de pedido de tutela antecipada (conhecido por muitos pais como “aquele pedido de liminar”).  Esse pedido visa à liberação antecipada das terapias pelo plano de saúde, antes do julgamento final do processo, tendo em conta o perigo de dano, uma vez que a demora na prestação dos tratamentos pode causar sérios prejuízos práticos na vida da criança.

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O Judiciário brasileiro tem, de forma uníssona, firmado entendimento ao longo dos anos de concessão de tutela antecipada, compreendendo a necessidade das crianças de acesso imediato ao tratamento. Todavia, em Curitiba, um movimento de decisões da décima Câmara Cível representou uma mudança parcial de entendimento, bastante preocupante, a meu ver, e que destoa dos entendimentos das demais Câmaras que julgam a matéria. Não entendeu? Calma, a gente explica.

Os processos contra planos de saúde solicitando tratamentos para crianças com deficiência são de competência das varas cíveis. Assim, esses processos são protocolados junto às varas pedindo tratamentos necessários. Da decisão que concede ou não a tutela antecipada (a qual visa a liberar de forma antecipada os tratamentos antes do trânsito em julgado/final da ação), cabe recurso, o qual se chama Agravo de Instrumento. Este recurso é julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado, no caso do Paraná, o TJPR. No tribunal, existem as Câmaras que, explicando de forma bastante rude, seriam formadas por um grupamento de desembargadores para julgar casos com temas específicos. O tema em questão compete à 8ª Câmara Cível, à 9ª Câmara Cível ou à 10ª Câmara Cível.

Ou seja, estando o plano de saúde insatisfeito com a decisão de concessão antecipada dos tratamentos, pode ele recorrer ao tribunal, sendo que o recurso irá por sorteio ou para a 8ª CC, ou para a 9ª CC, ou para a 10ª CC. Durante longo período, as 3 Câmaras tinham o mesmo entendimento: há perigo de dano e plausibilidade do pedido (no caso em que juntado apenas documentos necessários e feito o pedido de forma adequada, claro) e, portanto, o tratamento deve ser concedido de forma antecipada. Todavia, a 10ª Câmara desgarrou desse entendimento, gerando, assim, uma situação em que há decisões díspares pelo mesmo Tribunal.

Com todo o respeito ao livre convencimento motivado dos desembargadores da 10ª Câmara Cível, é importante que salientemos alguns resultados e ponderações relativos a essa mudança:

Não está aqui de maneira alguma se dizendo que não podem ou não devem os juízes solicitar mais documentos ou informações quando não houver dados suficientes sobre aplicabilidade da terapia ao caso. Não está se falando de uma liberação descontrolada de todo e qualquer pedido judicial de tratamento. O que questiono é a maneira como a mudança de entendimento por uma de três Câmaras tem sido feita, e a afetação prática disto.

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Ontem, duas mães me procuraram, desesperadas, indignadas. Sentaram à minha frente e falaram sobre como o advogado(a) (prefiro aqui até deixar o gênero em aberto) que conduzia o processo delas falhou, que por culpa dele elas perderam a tutela, etc. Eu não costumo analisar processo de outros colegas, mas, naquela situação, eu já imaginei o que tinha ocorrido. Ambos os casos haviam sido sorteados à 10ª Câmara Cível. Foi extremante difícil fazer uma mãe entender porque, em razão de um sorteio (visto que, se o trâmite se desse na 8ª ou 9ª Câmara Cível o desfecho seria possivelmente diferente), a tutela estava suspensa. E aí passamos para a parte dois: elas ficaram com ódio do Tribunal, e falando que a justiça do Brasil não valia para nada. Lá fui eu mais uma boa meia hora defendendo os desembargadores do Tribunal, dizendo que eram capacitados, que apesar de eu discordar da mudança de entendimento e como ela tem sido realizada não podemos invalidar a capacitação de nossos desembargadores.

Enfim, uma situação absolutamente delicada. É muito duro quando se vê as pessoas perdendo fé na Justiça brasileira. E é compreensível a visão. Quando você vê seu filho sofrendo por estar sem terapias que o médico expressamente recomendou e que são efetivamente necessárias manter a crença no Direito é complicado. Mas, de fato, apesar de tudo, temos no Paraná um Judiciário competente, que não pode ser desacreditado. Os desembargadores na 10ª Câmara Cível não são o “bicho papão” e detêm, sim, um imenso conhecimento jurídico. Momentos como esse devem ser de reavaliação, de firmamento de tese, de demonstrar ao Judiciário de novo e de novo que existem, sim, tratamentos comprovados que podem ser receitados com efetividade.

Aos pais paranaenses ressalta-se que há o direito de acesso aos tratamentos necessários, e que devemos procurar tutela antecipada para garantir a evolução de nossos filhos. Aos colegas advogados, principalmente aos que não trabalham constantemente com essas demandas, meu pedido de muita atenção na juntada de documentos para que seja oferecido sempre o cenário mais completo possível ao julgador. Aos julgadores, nosso clamor para que seja considerado que se certo tratamento possui pesquisa científica adequada de eficácia para certa patologia, seja efetivamente considerado que, se a medicina apontou aquele tratamento como uma metodologia tradicional aplicável e o médico da criança o recomendou para início imediato, a espera para tratar trará efetivamente prejuízos (afinal, o tratamento de transtornos globais de desenvolvimento é uma corrida contra o tempo para o almejo da eficácia, sem mencionar o sofrimento da criança quando não está sendo tratada).

É claro que aqui eu trouxe os argumentos e questões de forma reduzida e simplificada. Quem se interessa sobre o tema, sinta-se livre para falar comigo, ou mesmo procurar a jurisprudência do Tribunal, que funcionará como boa fonte de pesquisa (verificar os votos de 8ª e 9ª CC e depois da 10ª CC e fazer uma comparação de teses é uma excelente forma de estudo da situação). Tenho minha tese com meus fundamentos jurídicos solidificados, mas cabe aos operadores do direito estudarem a matéria e formularem sua própria fundamentação – vai que você concorda com a 10ª CC? É de seu livre convencimento, e assim deve ser.

Não tenho muitas “papas na língua”, então, se eu realmente achasse que temos um Judiciário falido no Paraná, eu falaria. Não acho! Temos um excelente Tribunal de Justiça no Paraná, e devemos ter a certeza de que a unificação jurisprudencial deverá ocorrer em uma toada em que o princípio do melhor interesse da criança (ingresso em nosso ordenamento com força de norma constitucional), o dever de informação ao consumidor, o direito de acesso à saúde, a proteção integral do menor, deverão prevalecer sobre os interesses econômicos de planos de saúde que vendem planos que cobrem doenças e posteriormente se negam a oferecer o tratamento necessário. A necessidade de tratamento imediato para crianças com TEA é inclusive diretriz do Ministério da Saúde e devemos lutar por ela como direito primordial de nossos filhos.

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Grande abraço a todos.